quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Leticia

Não sei bem quando nos conhecemos, mas lembro como se fosse hoje a tarde em que todos fomos para sua casa fazer bagunça. Faz quase dez anos. Não lembro quem estava, apesar de não esquecer do momento em que decidi me trancar lá no seu quarto, acho que devia estar com sono. Todos, inclusive você, ficaram na sala bebendo, rindo e conversando, muitas vezes mais rindo do que conversando: vivendo. Foi quando me deitei na sua cama e, não sei de onde, descobri uma agenda de quando você era da quarta ou quinta série. Rosto redondo, meio gordinha (sério, ué) e com essa cara de moleca sapeca, com as já conhecidas sardinhas.



Exímio devorador de palavras escritas (e das faladas também, é verdade) e arauto das fofocas, tratei de mergulhar naquele seu diário de vida, folha a folha, passando a língua no dedo indicador para garantir de que não perderia tempo ao virar a página afoito de curiosidade. E, você sabe, curiosidade é interesse. Mas isso é desculpa de fofoqueiro, eu sei...



Li suas conversas com as amiguinhas da sala, soube quando você falou mal dos professores ou quando relatou o que tinha comido pela manhã, das primeiras paqueras, das aulas chatas, dos seus sonhos, seus absurdos, suas perguntas engraçadas, suas discussõezinhas com a mamãe. E você relatava tudo de forma irritantemente detalhista, chegava a ter raiva da sua sensibilidade e delicadeza ao descrever cada coisinha, cada olhada, cada respirada, cada fala, cada briga, cada festa, cada beijo, cada prova, cada viagem, cada fim de semana, porque me via obrigado a não deixar de ler uma linha sequer, uma vírgula. De uma pureza tão cristalina e encantadora, de uma beleza genuína que mal cabia naquelas páginas amareladas pelo tempo. Naquele momento, você sabe disso, fiquei com ciúmes do passado e não das pessoas.



Queria ter podido te conhecer naquela época, naqueles tempos de primário, porque naquela agenda, você devia ter uns onze ou doze, descobri a Leticia que eu amo hoje. Não era só aquela Leticia que morava na Manoel, loura de tinta, que tinha acabado de voltar do estrangeiro, voz rouca, um pouco grave, mas – não sei como podia- macia. E mascando aquele eterno Trident. Quando fui ao seu quarto eu descobri uma Leticia que sempre existiu, mas que não conhecia até então. Atravessar o corredor da sua casa, naquela tarde, foi uma viagem no tempo: demorei anos para chegar até o seu quarto.



E tratei de ler, além dessa, outra agenda e todas que pude naquela tarde. Queria saber mais de você, quer dizer, eu queria conhecer alguém que já conhecia, mas desde o começo, sabe? Tive a sensação de que nossa amizade parecia com aqueles filmes que a gente chega atrasado e a sessão já começou. Aí, fica tudo escuro e as pessoas pedem pra gente sentar, fica a maior zona, e tal, e já passaram os trailers e não tem lugar bom pra sentar... se bem que hoje em dia é lugar marcado. Mas mesmo assim: senti que tinha perdido um pedaço da sua trajetória de vida, mesmo que tenha sido na sua infância e adolescência. Bom, voltando ao seu quarto: estava tão entretido que nem percebia quando um de nós, bêbados, batia à porta com aquele sotaque de goró e riso mole, e me perguntava se estava tudo bem e qual era a razão de estar ali sozinho. Eu não estava só, estava contigo de certa forma- e desde antes dali. Mas quando te li e te soube mais, tive a impressão que você era mais do que especial: você nasceu uma mulher feita.



Hoje tenho um sentimento muito parecido com o de anos atrás. Descobri o seu blogue por acaso e comecei a te ler de novo. Não sei se é coincidência, mas o que não posso deixar de te dizer algumas coisas, principalmente depois de ler o seu post (lindo) sobre o que é falar com Deus. Concordo com você em todos os sentidos e direções. A Leticia das agendinhas de criança já era uma mulher. Percebi ao ler o seu diário virtual. Claro, são razões diferentes: a mesma pessoa em outras palavras.



Depois que meu pai morreu me tornei um homem mais duro. Fiquei estarrecido com Deus. Racionalizei minha fé. Doeu muito, você sabe bem, viveu isso comigo. De lá pra cá, coincidência ou não (começo a achar que o acaso é um animal em extinção), muitos amigos meus perderam o pai. Foi uma provação. Dei carinho e força, estive lá quando precisaram, porque posso falar de cadeira sobre o que é perder um pai. Do sofrimento que é: da saudade.



Mas, Lê, não soube como me aproximar mais de você quando você precisou. Talvez porque não soubesse como lidar com isso, talvez porque não quisesse entender porque que a Lê do meu coração, que conheci melhor naquela tarde de sábado dentro de um emaranhado de papéis escritos à mão, estava sofrendo. Rezei muito, ou melhor, conversei com Deus assim como fiz – e faço – pelo meu pai. É o que sei fazer, ou melhor, é o que julgo sincero de mim: o meu pensamento. Torcia para que você voltasse a me chamar de “Maraviiiiiilha”, das nossas rusgas, dos nossos papos-cabeça, das nossas gargalhadas, das vezes que você me ouviu sofrendo de amor, dos seus conselhos, dos nossos pés-na-bunda, dos seus segredos e dos meus.



Qual não foi minha surpresa em ler você de novo? Mas não tenho a sensação de ter você pela metade em minha vida, não. Nossa amizade é algo tão nosso, que não precisamos explicar.



E hoje te conheço melhor, mais uma vez, porque te leio e te sei: você nasceu uma mulher feita. De novo.



Te amo

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A saudade de Lia

Os olhos borrados pela saudade, o sorriso trincado de raiva, quase um rasgo em seu rosto de rugas, quase conformada. A voz engasgada de choro, a respiração lenta da idade: os sonhos despedaçados em vida. Percorria com as mãos feridas de amor o colchão velho onde costumavam se entregar de todas as maneiras, em todos os sentidos, porque, em outros tempos, ele costumava virá-la do avesso enquanto ela o revirava com a língua: se suavam, se melavam e de despediam toda vez que se amavam, porque se amavam toda vez decidiam ficar. Lia lembrou que preferia quando ele lhe beijava o pescoço do que a boca quando faziam amor. Ficava arrepiada, desconcertada. Sentia-se vulnerável porque não sabia como seria sua reação a cada mordidinha na orelha - e como gostava disso - porque sentia cócegas e, quando não resistia mais, inclinava a cabeça e encostava a orelha no ombro, fazendo com que ele, inutilmente, parasse de lhe provocar. Gostava de perder o controle sobre ele quando ele a tomava em seus braços. Mas a verdadeira razão que fazia com que ela gostasse mais dos beijos no pescoço, enquanto se entregava a ele, era outro, mais simples: gostava era de falar sacanagem. Muita sacanagem.



Ainda não aceitava que ele partira sem avisar. Mas quem alertaria sobre a própria partida? Qual homem sabe seu destino? Ela não parava de se perguntar, mesmo sabendo da resposta, só não entendia se tinha se dado conta do silêncio da ausência por experiência própria – ou se o soubera sempre.



Resplandecia ainda na poça formada pela chuva o reflexo triste daquele olhar de adeus. Gostava de passear pelo jardim nos fundos da casa. Tinha-se a impressão de que o acúmulo de água no chão não era por causa do temporal, mas pelas lágrimas fugidias do rosto de Lia. Setembro costumava ser assim.



Não tinha nada contra o encontro das línguas, daquela dança enroscada de bocas, das respirações. Mas a boca servia para cantarolar sussurros e recitar a poesia da cama: versos sem rima. Adorava o carinho das pernas, o beijo nos ombros e nos braços, os apertões na cintura, gostava quando ele sorria antes de tocá-la. Mas também desejava ser dilacerada pelo loucura do gozo, pelo desespero dos apaixonados: o sofrimento consentido do sexo. Gostava tanto de brincar de leoa que não queria que parasse ali, queria mais, queria a pele, o abraço, o carinho, e depois a saliva, o suor, a dentada, o sussuro, ela queria a gargalhada dos loucos: ela queria os silêncios.



Recobrou os sentidos, levantou e vestiu-se.



Dirigiu-se à cozinha, acendeu o fogão e preparou o café. Serviu na caneca dele a quantidade que ele costumava beber. Sentou-se na varanda, na cadeira onde ele descansava após as refeições dos domingos. Fez careta ao sorver o primeiro gole fumegante da saudade que estava despejada na caneca. Bebia sem açúcar, como ele sempre fazia, porque achava que dessa forma se aproximava do passado e por isso, se aproximava dele. Sorriu e recostou-se: adormeceu.



No fim do dia ele voltou exausto, porque o sol da tarde não queria mais ir embora. Ventava um vento úmido e o cheiro de madeira queimada lembrava outras tardes de outros tempos, mas eram ainda as mesmas vidas. A luz fraca da lembrança atravessou os portões daquele passado trancado pelo luto. Ele havia voltado naquele momento, tinha regressado ao lar: entregou-se a ela como ela sempre se entregara a ele. Puxou-a pela mão, foi quando então ela acordou um sono que não tinha dormido, porque ele sonhou um sonho que já tinha sonhado: reencontraram em vida a morte do que tinham vivido.



Se entregaram pela última vez naquele colchão suado pela memória.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Poesia

Poesia faço papel
Meço vento em verso
Invento
Poesia vejo inverso

Papel faço poesia
Verso regresso em tempo
Nem laço nem movimento
Poesia meço em vento

sábado, 12 de setembro de 2009

O comentário

Depois de tentar diluir o dilema em mais um copo de cachaça – envelhecida – eis que me surge um lampejo de inspiração, quase um susto. Tive um lapso de luzes, franzi a testa, firmei o olhar no chão, mão direita segurando o queixo, não a mão toda, mas polegar e indicador. Parecia que tinha reconhecido no cimento os últimos textos que li, parecia que tinha enxergado na memória os primeiros que escrevi. Antigamente gostava de escrever com caneta. Aliás, não via outra maneira de me relacionar com as palavras, como haveria de ser, se o desenho que se faz ao escorregar a tinta no papel é a forma mais sincera de se expressar o que se sente e o que se pensa? Não podia admitir ou sequer imaginar a possibilidade de escrever poesia ou opinar sobre qualquer coisa que fosse não fosse com mão, caneta e papel. É a forma mais bonita de se entregar a si: escrever.



Ainda atônito de mim, tirei a mão do rosto para pegar a caneta no bolso. Perguntei ao garçom pelos guardanapos. Ele não respondeu nada, virou as costas, abriu a torneira, terminou de lavar dois copos, enxugou as mãos e sacou da prateleira, à sua esquerda, uma caixa metálica onde estavam os guardanapos e pôs no balcão. Agradeci e saquei a primeira folha. Um detalhe: é deliciosa a sensação ao arrancar o papel das caixas de metal de botequins para escrever. Porque, se há necessidade de fazê-lo, ali, é porque se está fervendo de ideias e pensamentos. E sentimentos. Por isso foram tantas naquela tarde.



Reparei que de uns tempos pra cá, faz uns cinco anos, comecei a usar outro afluente das palavras, que na verdade são pensamentos, que, na verdade, são sentimentos. Digitar. Teclas. Espaço. Demorei a reconhecer que precisava aprender a me expressar assim também. Não queria trair a tinta, a caneta, o meu garrancho sincero e nu: a minha letra. Não poderia pensar na mais remota possibilidade de me prostituir, textualmente falando, pois palavras escritas à mão são como frutos da alma. Têm sabor de relâmpago. Saem das entranhas. A forma delicada de fazê-las repousar num pedaço de papel, como se fosse um berço, a maneira de alimentá-las com o amor, como se fossem amantes, me fizeram lembrar que, como diria meu escritor favorito, uma mulher que vai pra cama com um homem uma vez continuará indo para cama com ele cada vez que ele queira, desde que saiba enternecê-la a cada vez. Como manifestar meu amor pelas palavras manuais dali pra frente?



Rabiscadas no guardanapo, elas me fizeram encher os olhos d´água, mas não foi tristeza, era saudade. Porque não vou abandoná-las – nunca iria. Foi aí que me flagrei sorrindo, porque hoje em dia escrevo frequentemente com as duas mãos, ao mesmo tempo, coisa também que julgava estranha: eu acreditava ser destro, mas hoje em dia nem sei mais. Devem pensar assim também os canhotos. O teclado é um pouco impessoal no começo, como aquela prima distante que vem morar na sua casa de uma hora pra outra. Difícil se abrir com ela, se exibir: se entregar. Depois, aos poucos, vai se acostumando até se embriagar pelo ritmo delirante do som das teclas e há momentos que não sei mais se escrevo para me ler ou para me ouvir. Não pude, aliás, não tive a sorte nem tempo de me engraçar com dona Olivetti. Cheguei a conhecê-la, mas já era uma senhora de idade. Tive que respeitar. Mas não tenho dúvida que deve ter dado trabalho para muita gente. Era charmosa demais.



E foi durante essa dança das teclas que surgiu a ideia de criar um blogue. Precisava derramar sentimentos. Tinha necessidade, quase uma aflição, em poder desafogar tudo que está fervendo na cabeça e tudo que está acelerando o coração. Descobri que as palavras digitadas também são palavras. Que o garrancho vai existir sempre, a letra, a rasura, o rabisco, a cesta cheia de papéis amassados. Mas as palavras que aparecem na tela de um computador, escritas em fonte ou tamanho diferentes também são fiéis. Ou melhor, a minha forma de me relacionar com as palavras não mudou, mesmo que ela se manifeste de outra maneira, mesmo que não seja à mão. E aí, as portas se abriram: me reencontrei.



Conhecer outros blogues é conhecer outras pessoas. Opiniões, poesia, críticas, sarcasmos, besteiras, babaquices, culturas: lugares. E o que tenho reparado é que as pessoas até leem o que você escreve, mas dificilmente comentam o texto. Ou porque tem vergonha ou porque não querem se expor ou porque não sabem. O último argumento é inacreditável. Não é obrigação. Mas o bacana é ler e escrever. Escrever e ler. Ponto. A conversa dos comentários, as críticas, os argumentos e o melhor: a discussão.



O comentário é o blogue do blogue. Comentar instiga o raciocínio e nos obriga a aprimorar a escrita, ou melhor, dá até uma apimentada na relação. Exercitar a mente, afinal, como ensina a frase genial que vi pichada num muro, no Humaitá, há uns dez anos: “o raciocínio é um músculo”.



As pessoas têm que se manifestar, discordar, discutir, corroborar, endossar, confundir, contrariar e convencer: debater.



Quem escreve, lê.



E quem lê, escreve?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Cosmopolita do tempo

Ela chegava sempre apressada e atrasada, com aqueles óculos gigantes e lisases, o corpo delicado e desenhado em outras cores, porém com as mesmas tintas. Os cabelos eram dourados e curtos. Cor de europeia, talvez por isso parecesse fria. Não era muito de falar, preferia sentar-se no fundo da sala e reparava em tudo, mesmo como os gestos despretensiosos e distraídos: quase estabanados. Às vezes levava um pito do professor. Outras, tomava fôlego para ir à mesa do mestre e contar alguma coisa, talvez para explicar o porquê de perder tantas aulas, justificando, como nunca, e como sempre, que trabalhava pacas, que tinha que pagar as contas e tomar conta do cão. Não estava ali pra brincadeira.



Achava graça quando ela esboçava um sorriso de criança, talvez, porque quando sorrisse, seus olhos verdes amarelados sumissem atrás das pálpebras que se fechavam delicadamente, traçando cuidadosamente uma linha d´agua: um fiapo de poesia. Parecia uma japonesa quando ria muito. Quando gargalhava, os olhos espremidos e apertados me burlavam a razão, assim como o horizonte distante consola a desesperança dos náufragos. Falava baixinho, falava sorrindo, falava sem abrir a boca. Na verdade, ela fala mais seus assuntos com pessoas que ama, as que gosta, as que curte. Deve se sentir mais à vontade. Mas nunca vi alguém que quase não coubesse em si, talvez porque tenha mania da vida, vontade de explodir e ser muitas, muitas, não, tantas, para poder fazer tudo que quer e não fazer o que não quer. Uma cosmopolita do tempo. Meio rock´n´roll meio qualquer batida forte e desordenada que confunda o ritmo do coração. E eu acompanhava com rabo de olho quando ela adentrava aos lugares, procurando sempre não encontrar o motivo do interesse por aquela moça que sequer me cumprimentava até então. Parecia um pouco taciturna. Mas depois descobri que a ternura de seus gestos é que a faz especial. Conhecia aquela sua correria não fazia muito tempo, aliás, já havia alguns anos. Sempre apressada, escorregadia, mas encantadora.



Um dia cheguei mais cedo na aula. Sentei na última mesa e ocupei dois lugares. Não, a intenção não era que ela viesse ficar perto de mim, mas sabia que a primeira coisa que ela olharia quando abrisse a porta, de sopetão, seria a parede em frente ao quadro negro. Ou melhor, lá o quadro é branco como a manhã de inverno. Fazia isso para não encarar ninguém, porque, no fundo, era tímida demais. Depois confessou-me isso. Aí, lembrei que era aniversário de uma amiga querida que tínhamos em comum. A comemoração seria num bar.



Depois de interromper a aula, deu boa noite ao professor e se escorregou, que ironia, lá na frente mesmo. A estratégia não deu certo. Não me viu. Acho engraçado essas descoincidências. Ri comigo e quando acabou a aula chamei-lhe pelo nome. Na segunda vez, ela ouviu. Falei qualquer coisa, inventei um pretexto, e puxei da manga uma carona esperta até o local do goró. Ela topou e, ainda vestindo os óculos lilases, vi pela primeira vez aquele sorriso sapeca e olhos de gueixa, acompanhado de um agradecimento que mais parecia um sussuro: um sopro. Não sabia se olhava mais pra ela ou para as artes estampadas em seus braços e ombros. De europeu mesmo, só mesmo nome e sobrenome, porque sua luz vinha do olhar e seu calor vinha do silêncio.



O itinerário entre faculdade e bar me pareceu maior, porque fizemos caber em poucos minutos, e em alguns quilômetros, tudo que não sabíamos um do outro até ali. Falamos da profissão, das matérias, dos amigos, das loucuras, das coincidências, das músicas, falamos sobre nossas perdas, nossos ganhos: nossas tristezas e alegrias. Nossos objetivos. Chegamos e sentamos do lado de fora, não tinha aparecido quase ninguém ainda. Estava cedo. Pedimos os primeiros drinques. Ela bebeu um troço que parecia mais suco de jujuba com álcool. Aquelas amarelas e laranjas. Eu encasquetei com aquele goró doce, meio nada a ver, que leva conhaque, licor de cacau, noz moscada e leite condensado. Uma frescura só. Mas, acho que por estar meio avoado, pedi o primeiro do cardápio, obedecendo a ordem alfabética da carta de bebidas: foram alguns Alexanders e algumas jujubas etílicas. Continuamos o papo, mais precavidos, porque estávamos em terra de amigos, mas ainda não vivíamos uma amizade. As pessoas começaram a chegar, ela perdeu o telefone, aí começou a procurar, mas depois achou, nos levantamos, sentamos em outras mesas e nos misturamos entre os amigos, as vozes, sorrisos, abraços e qualquer outra alegria que coubesse naquela noite de ventania.



Caiu um temporal. Ela foi embora sem se despedir. Eu me despedi sem ir embora. Acho que por isso ficamos amigos: cada um na sua, mas todo mundo junto.



E estamos bêbados até agora.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Vida

Teto parede computador armário parede chão. Pé varanda janela. Janela janela céu mato mato. Céu rua céu sol nuvem. Sala cozinha geladeira garrafa. Gargalo gole relógio cachorro. Osso coleira ração. Porta chave botão elevador. Térreo portaria calçada árvore. Carro sol carro sol portão nuvem. Poste botequim farmácia restaurante. Sinal asfalto escola. Praça praça praça. Escola asfalto sinal restaurante botequim. Poste nuvem portão. Sol carro sol árvore. Calçada portaria: conta conta conta. Conta conta conta. Térreo elevador vizinho vizinha. Quatro licença. Chave porta mesa. Banheiro chuveiro torneira sabão. Água sabão água. Escova pasta água dente. Água. Toalha quarto armário. Camisa e calça e cinto. Crachá relógio paciência. Sapato paciência porta elevador. Garagem trânsito paciência. Paciência vaga rua trabalho. Catraca corredor porta vidro suspiro. Porta esquerda direita em frente. Sala chefe paciência. Checar confirmar. Ligar monitorar marcar encher. Sorrir gargalhar xingar. Comer matar morrer. Sorrir chorar. Sorrir. Matar sorrir morrer. Sorrir e matar.



Entender não entender. Entender não entender. Desistir discordar acatar atrasar. Adiantar. Paciência paciência telefonar escrever. Sentir contar esconder falar. Fingir. Correr caminhar encaminhar sair. Sair. Vaga volante carro rua sinal janela vidro. Mulher garotada senhores senhoras. Bicicletas motos outros cachorros. Vento vento vento. Nuvem relâmpago chuva. Rádio música rua garagem. Vaga elevador chave porta. Cachorro cachorro cachorro. Cachorro cachorro. Mesa mochila luz cozinha. Cachorro. Banho pijama. Computador teclado ideia cabeça cabeça ideia computador. Pão queijo suco. Computador outra ideia. Outra ideia cama teto.



Breu.



Sonho.




E sonho e vida e sonho e vida e sonho e vida e vida e vida...

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Fortalezas ambulantes

Não pude suportar mais a falta de ar humano e precisei respirar o bafo da rua, o cheiro das pessoas, o tempero da manhã e a aflição de quem amanhecia do outro lado da mesa onde eu bebia desde a noite anterior. Com o alvorecer do dia, a luz do sol me incomodou um pouco e por isso me mudei para os fundos do bar e ri quando percebi que lá de trás, olhando para a rua, a porta do pé-sujo parecia realmente a tela de um cinema. E que eu estava sentado na última poltrona da sala de exibição, mas com a sorte bêbada de estar bem localizado, ao lado do banheiro. E continuei a leitura líquida, arrotando palavras tristes e soluçando risos frouxos.




E assim comecei a discutir comigo mesmo sentado na mesa do boteco embaixo do meu prédio. Já estava na terceira garrafa mofada da mais gelada da casa, travando um desigual duelo contra mim, olhando para a rua, acompanhando os carros que subiam em direção à Rocinha, despistando meus pensamentos à medida que me distraía comigo. Resolvi, como diria um amigo, ir à biblioteca líquida para praticar a leitura boêmia dos livros fermentados e destilados. Talvez porque estivesse com a sensação de que o mundo está com pressa porque estaria atrasado. Mas atrasado por quê? Não sei bem explicar, mas aprendi que quando estamos atrasados, devemos apertar o passo e acelerar o ritmo. Não temos mais tempo para perder tempo. Mas para onde estamos indo? Eu me respondia, ainda acompanhando a velocidade dos carros que subiam a rua, a dos ônibus que seguiam pelo sentido contrário, reparava na gorda que apontava o jogo do bicho ao meu lado, no baixinho que me servia mais uma, como diria uma amiga, cerveja cu de foca: gelada até doer os dentes.



Justamente agora que começava a ver tudo em câmera lenta, as pessoas começaram a sobrevoar pelas calçadas. Não encostavam mais no chão, elas não me viam mais, porém não conseguiam desviar de meus pensamentos. Me deu vontade de ir ao banheiro, mas se eu levantasse naquele momento, perderia a inspiração. Costumava ser assim: vem a quarta, quinta cerveja, a bexiga aperta - mas a têmpora aperta mais ainda. É quando começa a sessão-matinê e não posso perder nem o trailler: mães levando os filhos pro colégio, as menininhas no ponto do ônibus, os cachorros perambulando pelo bar, o velho agradecendo no balcão pelo segundo rabo-de-galo, num gesto de estalar de dedos, quando o indicador choca-se com o dedo médio, depois de tomar impulso no ar. E, claro, a coroa loura que só bebe cerveja no copo de geléia que ela própria traz de casa. Na medida que as cenas se passavam, reparava na pressa das coisas e no desespero da hora.



Foi quando percebi que estamos delegando nossas funções às máquinas. Kubrick tinha dito isso há uns quarenta anos. Certo, HAL? Não temos mais tempo para nos emocionar, para conversar, trocar ideias, bater papo. Taí, uma coisa que está acabando. Não lembro, ultimamente, que alguém tenha ligado para a casa de um amigo (telefone fixo) com o único fim de bater papo. Saber do outro. Sei de quem liga para celular, manda mensagem de texto, conversa por mensagens instantâneas, sites de relacionamento. Tudo bem, faz sentido. Mas não é bacana você ouvir a voz? Atender o telefone da sua casa, sentar no sofá e papear. Ouvir é uma forma de sentir sem culpa. Conversar, sentir as pausas e os ataques verborrágicos. Até discussões. Já vi casal de namorados se reconciliar por meio de torpedos. Mais uma vez: tudo bem. Não condeno tais artifícios modernosos, mas as pessoas estão afetivamente mais práticas. Não querem complicação nem aborrecimento: manual de instrução para relações humanas modernas afetivas. Onde compra? É casa, descasa, namora, desnamora, trabalha, destrabalha, começa, termina, volta, escreve e apaga: tudo se resolve e tudo se complica.



Então entendi que estamos seguindo por um caminho sem volta. As pessoas se trancam do lado de dentro de si. São fortalezas ambulantes, que ao passarem pela rua durante o dia, tem-se a impressão que o mundo é um mendigo abandonado na calçada. Estão se lixando para o mundo, para o outro, para o amor, para vida, para a beleza da poesia, porque há pressa, há necessidade, há demanda, máquinas que resolvem o problema, há máquinas que são sentimentos, há parafernálias que são emoções, há ferramentas que são pessoas: há momentos que são esquecidos. Adquirimos o hábito de se deixar levar. E dizem que o hábito é a usina da mediocridade.




O que posso fazer, oras? É o que penso.

domingo, 6 de setembro de 2009

San Diego, 2001

I used to live in San Diego, California. Eight years ago. It was short period of time around six months between April and October. Since I came back home it´s been quite difficult to keep on touch with special people who I used to hang out and party around. Specially Sabrina, Sarah, Kathy, Felix, Nikola, Renata, Freya, Mônica, Mona, Elena, Martina, Alex, Barbara, Dominique, Gorian, Hugo and Gabriel. Summer parties, beach parties, Los Angeles, pool parties, wood´s parties... Kinda like this guys, because they were (and still are) very important to me in my life. One year later I lost my father and they, even far away from me, were there.



I like remembering when we used to dream about life and have fun like there´s no tomorrow. Unfortunately, I couldn´t meet some of you guys here in Rio in Carnaval this year. Shame on me! But I am really looking forward to make this fail up.



Nowadays it became easier to keep on touch even though people live far away from each other. Besides e-mail and facebook stuff, I think the most important is the feeling that moves our friendship. It doens´t matter distance nor time, but love and respect. I am sincerely happy to find some of you and have the possibilities to talk and know about our lives from now on. I wake up happier than I dreamed of.



So much happiness is because I decided to make a trip in 2010/2011. Still don´t know the right time. And I´m headed to Europe, probably France and Spain. I´m going to study. It was a hard decision, ´cause I gonna change some plans to elaborate better ones.
That´s it, folks! I´ve already "talk" too much. Write me.



See you


;-)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Felicidades

Foge a fuga logo suma onde
Nasce
Perde
Ganha
Mede
Cede
Ferve a fúria lenta seja quem
Cessa
Mente
Gosta
Pensa
Jura