quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sessentinha


"Um homem sabe quando começa a envelhecer porque começa a parecer com o pai"
Gabriel García Márquez  - "O Amor nos Tempos do Cólera"
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Sessentinha, gente boa... E aí, como é que é? Vai dar mole pra Kojak?

Não sei como tá pro teu lado, mas daqui tá na boa. Maré mansa, levando na crista da onda. As coisas acontecem, minha mãezinha tocando a vida, meu garoto correndo atrás. E não vem com essa de coroa, não, mermão! Tô pro gasto ainda, sambando direitinho, cantando o baixo o refrão pra não chamar atenção de malandro. E você, tá legal?


Deu saudade de te levar pra passear no Aterro do Flamengo, como daquela vez que subimos as árvores. E tava toda cagada, fedendo pra cacete, e sua cara de menino assustado... Frescura, o cacete, pai, era nojo mesmo. Então tá certo. E a praia do Diabo, mergulho no Arpoador, final de tarde no quiosque do Toninho, em frente ao sinal: posto oito e meio. Tem visto ele?


Almoço no Brasinha, esquina da Canning com Gomes Carneiro. Eduardo, salta um galeto no capricho pro meu filho, um chope na pressão e uma coca? Maravilha, e uma coca com gelo e limão pro rapaz aqui. Isso, prato pra dois, porra, também sou filho do homem, xará. Quer moleza, morde água.


Aí, não é por nada não, mas vamos com teu pai ali no Bar do Beto, tem um pessoal do jornal por lá. Depois do Simpatia papai vai pra lá beber chope. É legal, é legal. Não, Bruno, o Jangadeiros é outro, fica ali na Teixeira de Melo, no quarteirão da General Osório. Aquela vez do... Essa mesmo, garotão! Até que tu não é bobo, não, hein? Essa cara de zona sul te estragou, não. Com teu pai o lance é rua, Maraca, praia no Arpoador, churrasco em Saracuruna, sítio do vovô, lembra? Que você corria atrás das galinhas e fugia dos marrecos? Fugia sim, ahahaha! Ô, ô, baixa a bolinha, que teu pai tá falando numa boa. Esse desenho na capa da fita é uma charge, como se fosse uma caricatura, entende? Esse cara é o João Nogueira.  Bom pra caralho, mas também tem o Martinho da Vila, que é maravilhoso, peraí, deixa ver se está aqui nessa pilha de fitas. Esse é o Paulinho. Camisa dez, camisa dez.


Falar nisso, tava lembrando também das manhãs de domingo, quando você era bem novinho. Devia ter seus quatro, cinco anos. Era dia do teu pai fazer aquele café da manhã especial: pão com ovo e café. Você adorava quebrar as cascas, ver a gema estalar, o cheiro que preenchia a cozinha, cheiro de domingo, cheiro de café, e o pão francês que, à metade, você fazia um furo e colocava colher a colher dentro do pão, como se fosse um embrulho de trigo e ovos. O café passado no fogão mínimo, geladeira ainda menor, mas a cozinha era precisa: estávamos nós. E você corria para o toca-discos pedindo as músicas do papai, e eu sabia que era a Beth cantando Cartola, eu sabia que era qualquer música que fizesse que aquele momento não acabasse jamais. Você pulando no carpete, com a boca amarela do pão e com o sorriso que eu te dei.

Sessentinha é foda, gente boa. Mas é isso aí, bola pra fente.



Porque a vida não tá ganha pra ninguém.