segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Ciranda


A minha casa tem poucos quadros. Muitas contas espalhadas pela mesa. Agendas intactas. O apontador de lápis foi comprado em Uruguaiana. A garrafa de Gatorade eu acabei de beber depois do futebol. Assisti a Contos de Nova Iorque com minha mãe, semana passada, na casa dela. Na volta, assisti a outro episódio de House. Também revi Baixio das Bestas. Pensei nuns três títulos para próximos livros (próximos ou distantes) e tive uma leve constatação de que tenho lido pouco. Foi quando lembrei de levar o carro amanhã ao mecânico, fazer outra tatuagem e dar uma corrida pela manhã.

Eu penso em você quando acordo. Corro pra prateleira e abro meu livro favorito na esperança que a página aberta seja a dos seus versos. Eu penso em você quando abro a geladeira e procuro todas as frutas que você gosta. Abacaxi, banana e laranja. Mesmo quando alguma está em falta, sei que você está ali. Porque pensar em você é ter você comigo. Palavra é paladar. 

Ainda de manhã.

A música do despertador é “Liberdade”, do Marcelo Camelo.  Engraçado, mas pensei que seria bom acordar ouvindo versos como eu vivo a vida na ilusão entre o chão e os ares. Talvez quisesse que fosse esse meu mantra matutino, ainda que moribundo de sono. Os tempos são outros, de fato.  Não sei mais se o sapato me cabe o pé.  Escrever é ser livre. Mas a imprensa ainda não entendeu que hoje qualquer furo já nasce ex-furo. A internet assaltou as bancas de jornal e publicar no papel virou envelhecer a notícia.Tenho memória boa para datas. Não lembro de tudo, mas certas coisas ficam na cabeça, no coração. Ficam na lembrança, não importa a gaveta. Esse ano foi complicado, mas de muito aprendizado. Estudar cinema, mudar o leme da vida, escrever e produzir um filme. A necessidade da mudança e a mudança por necessidade. Viver é dançar ciranda em volta do mundo - uma translação em nós mesmos. 


É como diz a Anne Huet:  “quando se escreve um roteiro, é importante estar disposto a se transformar em Cristóvão Colombo, que partiu para descobrir as Índias e encontrou as Américas”.  Acredito que não só na escrita, mas o raciocínio se estende a toda e qualquer manifestação artística. Fazer arte é não saber, mas sabendo. É descobrir-se e ser descoberto e ainda sentir-se inseguro.

Gosto de balões. Gosto da ideia de passear num balão. Soltar balões, não. Mas embarcar nessa decolagem e me desfazer do peso  morto. Atirar pelos ares toda e qualquer coisa que não me sirva nos céus. Às vezes, dependendo de onde você estiver, esse  peso morto é um baú com moedas de ouro; também pode haver mudança de vento. Mas o que importa mesmo é voar com pés no  chão. Nunca fui à Capadócia, mas há tantos balões pelo mundo! E quantos mundos...Daqui de cima sou um pedacinho que continua em movimento, o pedacinho que abre novas linhas, que percorre outros caminhos, meu próprio caminho. O pedacinho voltado para o futuro e à vida, passando pelo caos. Por que somos saudade? O ser humano é uma relíquia afetiva.

O ser humano também é estômago e sexo, como diz o mestre Hilton Lacerda,  ou ainda um caleidoscópio de espelhamentos múltiplos, de acordo com Margarida Colares, me arrisco a dizer que ao me definir, me perco pela definição. Sou mais caótico e me procurar já é um abandono. Eu também sou uma banda de rock. Sou o intervalo entre contestar o sistema e falar de amor. 

O resto é amolar a faca no punho. 














segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Para a Julieta


“Oi Quintella, tudo bom?
Cara, eu tava pensando em várias coisas, comecei a escrever... O ano tá acabando, daqui a pouco tá todo mundo na faculdade tomando seus rumos, seguindo novos caminhos. Quando a gente é criança, sempre acha que os amigos vão ser amigos pra sempre. E a verdade é que muitas dessas pessoas vão ficando pra trás, pelo simples fato de que nada do que acontece na vida é à toa, que não existem meras coincidências. E acho que isso vale também para as pessoas que passam por nossas vidas. Acho que cada um que a gente conhece tem alguma lição para nos ensinar. Lição que às vezes a gente aprende muito tarde. O importante, porém, é não perdê-la pra não cometer depois os mesmos erros. A gente tá concluindo uma etapa da vida, e agora que eu páro pra pensar, vejo que esse ano foi irado no sentido de que eu conheci muita gente, muita gente diferente. E tenho certeza que quanto mais pessoas você conhece, mais você aprende a conviver com elas, e mais você aprende a lidar com as diferenças, com os defeitos e as qualidades. É ótimo saber que podemos nos adequar às pessoas, porque mudá-las eu sei que não vamos.”
(29.10.2000)


Todos meus aniversários. Cartões deixados na portaria. Minhas histórias dos outros, cemitério de pianos, diário da queda, a vendedora de fósforos, o sentido de um fim, renato russo de A a Z. O seu abraço. A sua pele lisa e clara. O piercing na sobrancelha... Direita? Seu sorriso medido e descompassado. Os olhos curiosos e castanhos. Cabelos curtos, óculos. Alguns óculos. Sua insistência em fabricar sósias.

Um jantar no Miam Miam, um pedaço de bolo na Argumento, caipivodka no Dom João, festa na Mineira Maneira. Sua dança. Uma tarde na piscina, uma peça de teatro na escola. Sua maneira de escrever. Você me ensinou a gostar do que eu escrevo. Quando me chama de darling, de babe, tomando café da manhã comigo no Talho. Seu cafuné.

“My darling,
Coloquei um Caetano, apesar da sua implicância!
Escute o disco e me diga do que gostou.
Mil beijos,
Julia”

Não lembro bem quando a gente começou a se falar, mas o olhar reciprocamente curioso ou curiosamente recíproco nos encurtou a distância. Era seu primeiro dia de aula naquela escola onde eu havia ingressado meses antes. Também não sei dizer como ficamos amigos. Lembro que trocávamos poesias durante a aula, especialmente nas de Física e Química. Tínhamos dezessete, dezoito anos. Ela gostava da maneira que eu escrevia. E ela já escrevia bem pacas. Então, não foi difícil descobrirmos afinidades literárias. E assim, de repente, nos encontramos.

Teve um dia que cheguei virado na escola. Tinha passado a noite ao lado de companhias lisérgicas e anfetamínicas, mas precisava ir à aula. Morto, destruído, moribundo, a duras penas me dirigi à sala. Ela me viu. Ela me viu e soube na hora. Me puxou pela mão. Ela me viu, me puxou pela mão e depois me viu, continuou a me puxar pela mão e me fez sentar na carteira atrás dela. As vozes dos outros alunos me cortavam os tímpanos, tudo que eu queria era sumir dali, mas deitei  cabeça sobre meu braço esquerdo dobrado que fiz de travesseiro. Meu outro braço se esticou como que num movimento sincronizado. E pedi sem falar que ela me fizesse carinho com as unhas do pulso ao antebraço. Devagarinho. E tinha que ser dela. Tinha que ser ela.

Também teve churrasco da turma em Niterói. Não sei se foi Itacoatiara ou outra praia. Sei que chegamos lá e voilá não tinha nada programado pra nós. Fomos garfados pela empresa que organizou nossa festa de formatura – e o “churrasco”. Mas foi um dia legal, fez sol e tudo. Fiquei doidaço, bebemos, fumamos, tocamos o terror no ônibus na ida.  E na volta eu me agarrei à ela. Pedi um abraço e um cafuné. Voltei agraciado pelos mimos dela, carinho no couro cabeludo, colo e cheiro de quem a gente gosta. Babei no casaco dela, disso eu lembro. Fingi que nada aconteceu e só fui acordar – ou acordado – no Rio. Minha vida foi mudando e ela ia comigo. Almoçávamos no Joe & Leo’s quando fui estoquista e vendedor em shopping. Um dia ela me levou fotos de Oxford e me contou sobre a viagem. Depois me disse que foi roubada, parece, e perderam-se as fotos. Foi mais ou menos na época que passei a encontrar mais com ela. Depois, nos afastamos. Culpa minha, sempre fui meio relapso nas amizades. Talvez um pouco egoísta.

 “Quintella,
É muito mais irritante do que maravilhoso ser sua amiga, mas antes de qualquer coisa é uma escolha... E sem dúvida eu te escolheria de novo (o que não impede de você colaborar um pouco, ok?!
Beijos e abraços e carinho,
Jú”

Sei que não sou um grande sujeito, talvez um cara bacana e tal, mas no meio desse furacão todo que tem sido minha vida percebo que você sempre me acompanhou. Esteve ao meu lado mesmo longe – nunca distante. Nossas viagens a Penedo – a que fomos as que não fomos-, o cheiro de novo do seu primeiro carro. Acho que era um Palio branco. Ou preto? Cores parecidíssimas. Quando você saía da Barra pra me buscar na Gávea e depois voltava pra Barra e aí, sim, finalmente, rumávamos à Joatinga. Depois de buscar a Clarinha, claro. Nossas idas à Reserva e Prainha. Lanches no Mc´Donald´s. Nossos papos, minhas imitações, nossas gargalhadas, suas histórias. Quando eu perguntava se estava tudo bem com você (e você percebia que eu me preocupava com você), porque seu jeito meio quieto, meio fechado e que não demonstrava muito as coisas. Legião Urbana e Los Hermanos. Carne de Segunda! Isso tudo fica guardado em mim e sempre me descubro quando te procuro aqui. É dessa saudade que eu falo. Eterna.

E quando tomei aquele porre federal na nossa formatura, antes de desmaiar, perder paletó e o cacete a quatro? Você pegou o táxi comigo e me deixou em casa. Ficou ao meu lado.

“Outubro/2000
P.S. Boa sorte em tudo, e mesmo que a gente não seja amigos até morrer (tá certa essa frase?), eu sempre vou lembrar de você com muito carinho!
P.S de novo: Eu escrevi essas paradas de madrugada, com insônia, achei que você fosse gostar, então acrescentei uma parte (a que eu fiquei puxando seu saco – BRINCADEIRINHA!!!) e resolvi te entregar.
P.S. Desculpe os erros de português”

Julia, eu te amo muito. Sumi da sua vida, reapareci. Tornei a sumir e a voltar. De repente eu precisava me encontrar, me assimilar. Nesses doze anos que nos conhecemos, talvez tenham sido os mais doidos da minha vida. E você esteve comigo. Num email, num telefonema, num gtalk, numa carta, num livro, num abraço, num cafuné, num beijo, numa risada, numa praia, numa lembrança. Obrigado por não desistir de mim – mesmo quando você desistiu e não me disse nada. Obrigado pela paciência, pelo seu amor sereno e desmedido. Pelas caronas em dias de chuva. Pelo seu colo. 

"My love,

a semana ta acabando e a gente nada de se encontrar.
vou te falar logo a verdade: eu ODEIO esse mês de dezembro, e esse ano todas as pessoas que moram fora resolveram vir pro Rio, marcaram mil coisas, não sei mais que dia vou encontrar quem... isso me dá um mau humor que você não imagina.
você vai estar por aqui entre natal e ano novo?  senão a gente deixa pra janeiro, sem essa confusão de amigo oculto e coisas pentelhas...
beijos com saudades,
Ju"


Parabéns, minha querida. Obrigado pela sua vida.











































domingo, 12 de agosto de 2012

Vovó Maria


"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco."

- José Luís Peixoto


Maria do Carmo, muito prazer. Com quase noventa anos, minha avó cumprimenta a todos desconhecidos dessa maneira. Pode ser amigo meu ou o fulano da esquina. A maneira frágil de se locomover e de se manifestar contrasta com a doçura e  a maciez da voz – e das mãos – ao dar carinho a algum neto, a um filho ou aos, agora, bisnetos. Do sotaque carregado gaúcho, como sór quente e aróz.  Mas sei que ao me ver, ela vê meu pai. Ela vê em mim o filho que morreu. Ela vê em mim o filho que não morreu. Ela me vê e me vê também. Ela não me vê e me vê também. Ela vê meu pai vivo em mim. Ela nos vê e nós a vemos hoje. Porque é dia dos pais e porque é o dia dela. Eu acho que os dias dos pais são da minha vó. E não se trata de prestação de contas ou aceitação da realidade viva, da realidade morta, da realidade moribunda. Para mim, os almoços de domingo serão sempre dias dos pais. Meu avô Argemiro, minha avó Maria do Carmo, meu pai Arcanjo, minha mãe Sandra, minha tia Cléa, minha tia Tania, meu tio Miro, meu tio Ailto, minha prima Joana, minha prima Maria Julia e suas filhas, Leticia e Luiza, e todos nós que cabemos naquele apartamento, que é do tamanho do coração da vovó.

É dia dos pais e eu acabei de acordar. A casa mais vazia e o cachorro no pé da cama.  São onze da manhã e vou almoçar na minha avó. O último dia dos pais que passei com o meu foi há mais de dez anos. Naquele domingo decidimos almoçar na Feira de São Cristóvão. Meu pai não era do tipo de almoçar em lugares caríssimos para justificar a data. Tampouco achava que o dia havia sido criado pelos porcos capitalistas de nossa burguesia estúpida. Meu pai não vinha com esse papo todo. Simplesmente olhava pra mim e arriscava: “Irmãozinho, esse negócio de almoço especial não tá com nada. O que eu queria mesmo era ir pra São Cristóvão, almoçar na feira, beber uma gelada contigo beliscando uma carne de sol, manteiga de garrafa... Como você tá nessa onda de forró, de repente era uma, não era, não?”

Como recusar, pai?

E fomos. Eu havia acabado de completar dezoito anos.  Meu pai completaria cinquenta meses depois. Passeamos pelos corredores da feira, cheiro de cerveja no chão, bêbados derrotados pelos becos, forrós e xotes se confundindo pelos ares e ouvidos, e eu pela primeira vez andava ao lado de meu pai sem segurar sua mão. Nenhum de nós disse nada, mas ali percebi que me tornava um homem. Pois beberia a primeira cerveja com meu pai; pois ouviria pela primeira vez os problemas de meu pai; e pela primeira vez, com meus cabelos crespos, olhos curiosos e camisa do Bob Marley, olhei pra ele e disse: você é mais que meu pai, você é meu amigo.

Em seguida apareceu um cara com uma polaróide. Tiramos a foto instantânea. Não saímos tão bem: eu fiquei com cara de doidão e meu pai saiu meio gordo. Quer dizer, a foto reproduziu fielmente nossas imagens, mas torcemos o nariz para o resultado final. E penso, hoje, que a vida é assim mesmo.

Aliás, vó: feliz dia dos pais! Te amo e já estou indo filar a boia. 


domingo, 1 de julho de 2012

Vulto


Escrever é algo parecido com sentir. Ao mesmo tempo que dá medo, também nos liberta. Acontece que, de tempos pra cá, tenho escrito pouco. Não tenho tido inspiração, as palavras se tornaram mais distantes, mal consigo rascunhar como fazia há alguns meses. De certa forma não é tão desesperador, penso que o homem se humaniza na falha, mas me preocupa.

Sempre imagino como seria o primeiro capítulo de meu livro, caso quisesse, de fato, escrevê-lo. As primeiras linhas... É claro que gostaria de saber como seria o livro todo, página a página, mas o capítulo inicial é primordial. Também tenho curiosidade pela vida, mas talvez menos. Na verdade me intriga o fato de ainda estar curioso – e não ansioso – para viver. Ainda não escrevi nada.


Às vezes me sinto ignorante. Não critico minhas escolhas, tampouco me arrependo delas, no entanto reflito constantemente sobre o que fiz a partir do que escolhi. Sim, optei por um caminho e não pelo outro, que ótimo, como tenho coragem e perseverança, mas e aí? Para se ter alguma coisa na vida é preciso abrir mão de outra. Não basta decidir. O distanciamento entre o que penso e o que sinto, meus bens mais preciosos, sempre é encerrado na medida do tempo que leva para medi-lo. Levanto acampamento e sigo viagem. Não existe silêncio. 


Eu me burlo. Se penso, posso agir ou não. Valho-me dessa ponte levadiça. Mas, se sinto, sinto. Não há escolha, porém decisões. 

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Paralelos


- Ou a gente vai ser muito feliz ou a gente vai ser pouco feliz. Mas, infeliz, não!


- Por que você acha isso?


- Porque o erro das pessoas é querer a máxima felicidade, a suprema, absoluta.  Ela não existe. Qual a diferença entre ser muito feliz e pouco feliz? A felicidade tem medida? O pouco feliz é mais feliz que o muito feliz.  Acho que ser infeliz é querer a perfeição.  Isso não é querer sentir, é pensar em sentir. Como se racionalizar fosse uma saída e não uma fuga.


- E você me acha racional?!


- Porra, muito.


 - Sério?! Lógico que não! Eu sou a mais passional que tem.  Quando me entrego, mergulho de cabeça, não quero nem saber.  Me envolvo, entende? Tenho meus rompantes, explodo, me apaixono, brigo, choro. ..


- Só alguém racional se define tão bem...


- Caraca! Você me acha mesmo, né?!


- Acho, mas, porra, eu também sou. Aí, acho que é menos preocupante. Quer dizer, só quem vive abraçado à razão usa a expressão “menos preocupante” para definir uma característica comum. Não digo afinidade, mas o defeito. Porque as pessoas acham que ser racional é ser frio e ser passional é ser burro, né?


- É, acho que é isso mesmo! Aí, vem alguém dizer que tem que ter um equilíbrio e tal, não pesar pra nenhum lado... Impossível! Querer calcular essa medida! Quer alguma coisa mais racional que essa?!


- Então por que estamos aqui?


- Ué, não sei...  A gente veio tomar um chope, conversar. Ou você diz no sentido, tipo, sei lá, filosófico?


- Não, digo no físico mesmo.


- Bom, a gente se conheceu, foi tudo muito rápido. Mas tipo, quando a gente fala assim “foi tudo muito rápido” parece que temos uma história, um caso. E pô, você sabe, nunca rolou nada. Mas eu não sei, gosto de estar com você.


- Eu também gosto de você, sabe? Foi de repente. Se vê todo dia, nesse horário. Mesma ponto, mesmo trajeto, mesmo destino...


- Mó viagem isso, né?


- Acho isso foda... Essas coincidências, amigos em comum dos mais estranhos lugares e épocas, aquela história do ônibus, você estudou onde eu vou estudar... Sei lá, isso assusta, né? Não um susto de medo, mas de alerta.


- Alerta que pode não dar certo?




- Não, alerta de que pode dar certo...


- Aí, você tá racionalizando de novo! Viu?! E depois diz que não racionaliza.


- Mas quem fiscaliza também é.


- Tá certo, é verdade. Mas eu não nego. Bom, você tem que ir, né?


- Ih, caramba, vou chegar MUITO atrasada! Viajei... e olha lá, viu?! Acabou de passar o meu ônibus! 
Tenho que correr pro ponto!


- Posso ir com você até lá. (eu deveria surpreendê-la)


- Tá bem... Mas ir até onde?!

- Um lugar onde a pressa não tenha razão...



terça-feira, 1 de maio de 2012

Dialética

mãos
sentidos
estilhaço
a mesma rua
nunca
é
mesma
rua
a
atravessar

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Percurso

gargalo
passagem
pela 
superfície
sede
sem copo
endereço 
sem número
da 
palavra 
seca 
sem 
leme

quarta-feira, 28 de março de 2012

Quinze anos

Rio, 13/05/1997
Bruno,
Acho que estamos sem nos falar (e de repente, com uma visão estranha um do outro), por muitos mal-entendimentos (por minha e por sua parte).


Tudo começou porque nós “acabamos” (o que na verdade por nossa parte nem começamos) numa boa. Eu realmente tinha achado que você tinha feito “coisas” ridículas comigo (que não vem ao caso). Desde então, o clima se modificou totalmente, mas ainda nos falávamos bem. Foi aí que me falaram que você disse umas coisas sobre mim aos meninos (fiquei muito chateada, mesmo sem saber o que você havia falado, mas sabia que era alguma coisa ruim e aí te achei mais ridículo ainda). Daí em diante, eu já não conseguia falar com você como antes, parecia que havia uma barreira. Então, nós fomos nos falando cada vez menos até parar, eu pensei que você não queria mais falar comigo e você achou que eu não queria mais falar com você, foi um mal entendido, mas já estava se acumulando com tudo. Agora, além de todos esses mal-entendidos, o pior de todos não ocorreu (ou pelo menos é o que eu acho) eu não queimei seu filme com ninguém (principalmente com gente da 7ª série, como eu poderia  se eu nem conheço?), aliás pensei que você estivesse queimando o meu com seus amigos...
Quero te explicar o que houve:
As únicas pessoas que eu falava que fiquei chateada com você eram Carol, Cacá, Ana Cristina, Bruna, Bianca, Andréa e Ana Luisa (que até algumas vezes me ajudaram a enxergar na época que eu estava chateada, antes de acabar). Eu falei para elas que eu fiquei chateada com você porque quando estávamos “ficando”, você falava mais com a Carol do que comigo (e isso você sabe que era verdade), aí chegava na hora da saída, fora do colégio, e você me beijava, e que fiquei muito confusa ( e até pensei que você tivesse vergonha de mim, apesar de não ter dito isto a ninguém, só a Carol).
Agora vou te falar porque eu disse tudo isso a elas, afinal não foi por nada:
Elas perguntaram por que nós não estávamos namorando (porque terminamos) e por que não nos falávamos mais (que nem eu sabia responder), daí eu falava aquilo. Cada vez me confundia mais. Por causa disso eu até fugia do assunto Bruno (foi mal) porque não queria ficar comentando com ninguém. Outra coisa, tudo que eu falava no meu grupo, elas concordavam ( e eu só falava quando alguém tocava no “assunto”) e até falaram coisas, que não partiam de mim, mas que em algumas vezes eu concordava, por exemplo, como perdeu o “encanto” (não por minha causa, aliás nada comigo). E também falam muito bem, como a Andrea que disse:
 - “Ah,! Ele é super legal, você não acha?” 
 Daí eu nem contestava e logo falava:
 - “É até pode ser, mas comigo ele não fala mais, não posso dizer se sim ou não.”
Quando eu estava com raiva, dizia que você era “chato” comigo (e deixava isso bem claro: “comigo”) mas alertava que era porque eu estava com um pouco de raiva. Ah! Lembrei de uma opinião geral que não partiu de mim, mas que por parte eu concordei, foi que você é um “grude”.
Agora pra falar verdade era impossível eu queimar seu filme com pessoas além dessas (que mesmo assim não acho que eu queimei, pelo contrário, pois eu não conheço “praticamente” ninguém do colégio, as minhas amigas então, muito menos. Era bem mais fácil você queimar o meu filme, você era mais “conhecido” na sala do que eu. A partir do momento que não nos falamos mais, meu filme já estava queimado. Em relação à 7ª série (que você conhece algumas garotas) era impossível te queimar, eu nem conheço ninguém de lá, era impossível eu falar com elas. No entanto, te peço 1000 desculpas se você ainda acha que eu queimei seu filme com o pessoal, realmente não tive a menor intenção e eu acho que há pessoas que aumentam muito (tipo: escutam A, B, e te falam “A”, “B”, “C”, “D” e “E”). Agora se você não quiser minhas desculpas e não quiser acreditar em mim, aí eu não tenho mais o que fazer. Espero que tudo se esclareça e que voltemos a nos falar.
(Responda por favor)
OBS: Eu também falei pras meninas que uma vez quando nós falamos no telefone, você falou (ou melhor, perguntou) se rolaria alguma coisa, se você não tivesse sido ridículo, daí eu falei que não, porque não tinha nada a ver e que também nós éramos da mesma sala, ou também falei que isto era uma desculpa, porque eu não queria mais por causa daquilo e não conseguia me ver em outra situação, daí ela falou que se não rolou uma vez é difícil (ou não) rola outra vez. Eu também disse só a algumas meninas que uma coisa me irritava era que você sempre falava: falaram, alguém disse... (nunca dizia quem). E outra coisinha: não me elogiava, só se elogiava (sem querer ofender), me irritava.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carnaval

A manhã lilás e o ar parado.  Janelas suadas. Ar condicionado.  Tapete e almofada. Televisão sem volume. O som do jornal arremessado à porta. O teto reconhecido de baixo. O chão desconhecido no pé.  A visita anunciada do sol: era sábado.

Os estalos das articulações. O espreguiçar curto da pressa. Fontes de energia. Bateria. Celular. Computador. Pão. Queijo. Presunto. Cheiro de café do vizinho. Água de coco e daquela que matou o guarda. Passarinho tá com sede: é sábado.

Óculos grandes, peruca, chinelos. Telefonema. Garrafas plásticas. Gelo. A manhã rosada e o ar lento.  Janelas abertas. Música. Rádio: volume sem televisão. O jornal folheado às pressas. O teto testemunha de cima. O chão redesenhado à risca. A luz intermitente do sol: sou sábado.

A chave de casa no bolso, o gole de gelo na boca, o soro pingado nos olhos: a vista recuperada do susto. A bolsa no colo, o porteiro com sono sorri, o portão da garagem sem medo: o retrovisor do carro sem nó. A manhã alaranjada e o ar desordenado. Janelas sem vidros, tanque sem gás: o jornal pelo rádio sem som. O teto pequeno. O chão imóvel. E o sol torto pelo espelho cego: sábado é o álibi do domingo.

Posto vazio, ruas viradas, lagoa ensolarada. A vontade dela, a saudade daquela e a certeza: ela. Um refrão na voz do Roberto, o Ribeiro, frisa-se, para não haver desencontro. O toque do celular, o amigo atrasado, a amiga ansiosa, os amigos que não dormiram, os que não acordaram.  

Abre a porta, já tem gente cantando. Amanhã tem mais. Para ontem não há palavras. Mais um hoje. Vamos de novo. O bloco saiu.  

Mas já volta.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Abrir caminhos

Sentir saudade é indefinível. Pode-se, claro, recorrer à tentativa de explicá-la através de uma música daquela época, de um cheiro da infância, de um lugar, de um sabor. Dizem que ter saudade é bom; também sei dos que concordam que é ruim, pois certas vezes não poderemos, nunca, encontrar naquela pessoa ou naquilo que nos faz lembrar daquele tempo, a razão da falta.  E aí dá um aperto no peito: a respiração vacila.

Abrir espaço para o novo. A frase que ouço desde criança reaparece na memória logo no início do ano. Talvez porque minha mãe repita tais palavras naquela ordem nesse mesmo período. Sempre me perguntei a razão do conselho, se é que pode-se chamar assim, mesmo que saiba de minha dificuldade em desvencilhar-me do passado. Recortes de jornal, revistas antigas, contas já pagas, comprovantes bancários, fotografias de pessoas que não amo mais e, ainda, das que não me amaram nunca. Lá no fundo, apertando a ferida, insisto: ah, mas, de repente, posso precisar ler de novo aquele artigo, o banco pode dizer que não fiz o depósito, podem dizer que o pagamento já saiu. Aquela pessoa pode voltar, aquele tempo pode voltar e eu posso voltar a ser aquele que guardou a foto. E logo após o mergulho, ao recuperar o ar do tempo, reconheço que a lágrima é o único líquido retido pela lembrança. Amontoar recordações, quaisquer que sejam, impossibilita viver coisas novas – ou simplesmente viver.

No entanto, buscar a saudade é estranho. Cercar-se de artifícios que nos remetam a outras épocas ou a outros eus, os que passaram, não nos ajuda a abrir o caminho para o novo. Quase forjamos uma nova personalidade a partir da antiga, não nos permitimos falhas; o receio de seguir em frente, mesmo quando seguir em frente não significa seguir em frente: às vezes caímos num precipício, outras tropeçamos – e só seria possível se déssemos o passo na direção da vida. Quem é esse novo? O amor, o trabalho, o sofrimento, a saudade.. Ainda não sei bem.

Mas mudar sempre é novo.