segunda-feira, 9 de maio de 2011

Silêncio

Frear o tempo com os olhos

Ouço chover. Não é preciso abrir as cortinas. As vidraças tremem suavemente, o som da água me protege do frio. Um banho de palavras sem luz. O desejo desenfreado para que chova a noite inteira. Ainda que fosse senhor de mim, não saberia esconder as lágrimas. As janelas desatam a tagarelar. Examino a sala e não reconheço alguns quadros, talvez eles também não me saibam. O sopro gelado da cozinha. A almofada esquecida no chão, o espelho torto na parede do banheiro. Foi quando me lembrei que palavras são estrelas sem brilho.

Tatear o ar com as mãos

Ainda que fosse escravo de mim, não saberia esconder as feridas. É que tenho tido dificuldade em escrever. Como se as palavras estivessem escondidas na luz. Não fosse apenas não enxergá-las, mas não há como senti-las. Sinto-me suspenso, como se sob efeito de reticências. Também não adianta me desviar dos estalos da consciência, supostos atalhos para onde não tenho me encontrado. E de nada adianta insistir que palavras são fósforos.

Riscar o céu com os pés

De pernas para o ar me deixaram elas, as estrelas sem luz que são fósforos. Para este incêndio sem alarmes, a rota de fuga é buscar metáforas sem sentido. Talvez sirva como consolo literário, essa coisa de encurralar a inspiração, atormentá-la madrugada a dentro com respingos de insônia, da chuva que não terminará enquanto ainda houver fôlego. A luz que me deixa as palavras cegas, o reflexo de estrelas sem brilho, de fósforos riscados. A escuridão me permite fabricar tantos de mim que escrevo com os pés suspensos e mãos idem. Mas de olhos fechados.


Porque silêncio é uma palavra invisível.