segunda-feira, 4 de junho de 2012

Paralelos


- Ou a gente vai ser muito feliz ou a gente vai ser pouco feliz. Mas, infeliz, não!


- Por que você acha isso?


- Porque o erro das pessoas é querer a máxima felicidade, a suprema, absoluta.  Ela não existe. Qual a diferença entre ser muito feliz e pouco feliz? A felicidade tem medida? O pouco feliz é mais feliz que o muito feliz.  Acho que ser infeliz é querer a perfeição.  Isso não é querer sentir, é pensar em sentir. Como se racionalizar fosse uma saída e não uma fuga.


- E você me acha racional?!


- Porra, muito.


 - Sério?! Lógico que não! Eu sou a mais passional que tem.  Quando me entrego, mergulho de cabeça, não quero nem saber.  Me envolvo, entende? Tenho meus rompantes, explodo, me apaixono, brigo, choro. ..


- Só alguém racional se define tão bem...


- Caraca! Você me acha mesmo, né?!


- Acho, mas, porra, eu também sou. Aí, acho que é menos preocupante. Quer dizer, só quem vive abraçado à razão usa a expressão “menos preocupante” para definir uma característica comum. Não digo afinidade, mas o defeito. Porque as pessoas acham que ser racional é ser frio e ser passional é ser burro, né?


- É, acho que é isso mesmo! Aí, vem alguém dizer que tem que ter um equilíbrio e tal, não pesar pra nenhum lado... Impossível! Querer calcular essa medida! Quer alguma coisa mais racional que essa?!


- Então por que estamos aqui?


- Ué, não sei...  A gente veio tomar um chope, conversar. Ou você diz no sentido, tipo, sei lá, filosófico?


- Não, digo no físico mesmo.


- Bom, a gente se conheceu, foi tudo muito rápido. Mas tipo, quando a gente fala assim “foi tudo muito rápido” parece que temos uma história, um caso. E pô, você sabe, nunca rolou nada. Mas eu não sei, gosto de estar com você.


- Eu também gosto de você, sabe? Foi de repente. Se vê todo dia, nesse horário. Mesma ponto, mesmo trajeto, mesmo destino...


- Mó viagem isso, né?


- Acho isso foda... Essas coincidências, amigos em comum dos mais estranhos lugares e épocas, aquela história do ônibus, você estudou onde eu vou estudar... Sei lá, isso assusta, né? Não um susto de medo, mas de alerta.


- Alerta que pode não dar certo?




- Não, alerta de que pode dar certo...


- Aí, você tá racionalizando de novo! Viu?! E depois diz que não racionaliza.


- Mas quem fiscaliza também é.


- Tá certo, é verdade. Mas eu não nego. Bom, você tem que ir, né?


- Ih, caramba, vou chegar MUITO atrasada! Viajei... e olha lá, viu?! Acabou de passar o meu ônibus! 
Tenho que correr pro ponto!


- Posso ir com você até lá. (eu deveria surpreendê-la)


- Tá bem... Mas ir até onde?!

- Um lugar onde a pressa não tenha razão...



2 comentários:

  1. Eu gosto das coisas que você escreve. Mas, é demais para mim.

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  2. "Mas nada disso dá conta da ligação invisível pela qual nós nos sentimos unidos desde o início. Por mais que tivéssemos sido profundamente diferentes, mas eu não deixava de sentir que alguma coisa fundamental era comum a nós, um tipo de ferida original - há pouco eu falava de "exeperiência fundadora": a experiência da insegurança. A natureza desta não era a mesma para você e para mim. Não importa: para ambos, ela significava que não tínhamos um lugar assegurado no mundo, e só teríamos aquele que fizéssemos para nós.

    "Eu necessitava de teoria para estruturar meu pensamento, e argumentava com você que um pensamento não estruturado sempre ameaça naufragar no empirismo e na insignificância. Você respondia que a teoria sempre ameaça se tornar um constrangimento que nos impede de perceber a complexidade movediça da realidade. Tivemos essas discussões dezenas de vezes, e sabíamos de antemão o que o outro iria responder. No final das contas, elas eram uma espécie de jogo. Você não precisava das ciências cognitivas para saber que, sem intuições ou afetos, não há nem inteligência, nem sentido. Imperturbáveis, as suas opiniões reinvidicavam o fundamento da sua certeza vivida, comunicável, mas não demonstrável."

    André Gorz - Carta a D.

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