A
minha casa tem poucos quadros. Muitas contas espalhadas pela mesa. Agendas
intactas. O apontador de lápis foi comprado em Uruguaiana. A garrafa de Gatorade
eu acabei de beber depois do futebol. Assisti a Contos de Nova Iorque com
minha mãe, semana passada, na casa dela. Na volta, assisti a outro episódio de House. Também
revi Baixio das Bestas. Pensei nuns três títulos para próximos livros (próximos
ou distantes) e tive uma leve constatação de que tenho lido pouco. Foi quando
lembrei de levar o carro amanhã ao mecânico, fazer outra tatuagem e dar uma
corrida pela manhã.
Eu
penso em você quando acordo. Corro pra prateleira e abro meu livro favorito na
esperança que a página aberta seja a dos seus versos. Eu penso em você quando
abro a geladeira e procuro todas as frutas que você gosta. Abacaxi, banana e
laranja. Mesmo quando alguma está em falta, sei que você está ali. Porque
pensar em você é ter você comigo. Palavra é paladar.
Ainda de manhã.
A música do despertador é “Liberdade”, do
Marcelo Camelo. Engraçado, mas pensei
que seria bom acordar ouvindo versos como eu
vivo a vida na ilusão entre o chão e os ares. Talvez quisesse que fosse
esse meu mantra matutino, ainda que moribundo de sono. Os tempos são outros, de
fato. Não sei mais se o sapato me cabe o
pé. Escrever é ser livre. Mas a imprensa
ainda não entendeu que hoje qualquer furo já nasce ex-furo. A internet assaltou
as bancas de jornal e publicar no papel virou envelhecer a notícia.Tenho
memória boa para datas. Não lembro de tudo, mas certas coisas ficam na cabeça,
no coração. Ficam na lembrança, não importa a gaveta. Esse ano foi complicado,
mas de muito aprendizado. Estudar cinema, mudar o leme da vida, escrever e
produzir um filme. A necessidade da mudança e a mudança por necessidade. Viver
é dançar ciranda em volta do mundo - uma translação em nós mesmos.
É como
diz a Anne Huet: “quando se escreve um
roteiro, é importante estar disposto a se transformar em Cristóvão Colombo, que
partiu para descobrir as Índias e encontrou as Américas”. Acredito que não só na escrita, mas o
raciocínio se estende a toda e qualquer manifestação artística. Fazer arte é
não saber, mas sabendo. É descobrir-se e ser descoberto e ainda sentir-se inseguro.
Gosto
de balões. Gosto da ideia de passear num balão. Soltar balões, não. Mas
embarcar nessa decolagem e me desfazer do peso
morto. Atirar pelos ares toda e qualquer coisa que não me sirva nos
céus. Às vezes, dependendo de onde você estiver, esse peso morto é um baú com moedas de ouro; também
pode haver mudança de vento. Mas o que importa mesmo é voar com pés no chão. Nunca fui à Capadócia, mas há tantos
balões pelo mundo! E quantos mundos...Daqui
de cima sou um pedacinho que continua em movimento, o pedacinho que abre novas
linhas, que percorre outros caminhos, meu próprio caminho. O pedacinho voltado
para o futuro e à vida, passando pelo caos. Por que somos saudade? O ser humano
é uma relíquia afetiva.
O ser humano também é estômago e sexo, como diz o mestre Hilton Lacerda, ou ainda um caleidoscópio de espelhamentos
múltiplos, de acordo com Margarida Colares, me arrisco a dizer que ao me
definir, me perco pela definição. Sou mais caótico e me procurar já é um
abandono. Eu também sou uma banda de rock. Sou o intervalo entre contestar o sistema e falar de amor.
O resto é amolar a faca no punho.