Outro dia a Cris preparou um almoço delicioso na casa dela, coisa que volta e meia ela, zás, cisma de cozinhar. O menu era risoto de figo e peito de pato. Pode parecer metido à besta, mas quando ela cozinha, a certeza do bom gosto se sobrepõe à dúvida da oferta. Chamei a Luizinha e chegamos junto com o Ceguinho. Ziza apareceu logo depois e éramos cinco à mesa. Abrimos um vinho que levei de minha modesta adega que, apesar da tarde quente, caiu muito bem.
Uvas verdes, nutella e sorvete de creme para fechar bem o cardápio do dia. Depois fomos à sala e ficamos de conversa fiada, para jiboiar a comida. Aquela lombeira gostosa depois de uma bela refeição. Foi quando Cris me desafiou a tocar violão, quando falávamos do duvidoso talento de um amigo em manusear o instrumento. Saiu e voltou com a viola nos braços: toca aí, então, alguma coisa pra gente.
O reencontro inesperado com minha adolescência me trouxe tanta coisa boa, como me levou de volta àqueles tempos maravilhosos. Toquei Legião Urbana, Cazuza, Marisa Monte... Tinha me esquecido de como é bom reunir amigos e cantar, viajar na sua onda, pensar na vida, tentar se procurar, mais uma vez, nas letras e na melodia. Lembrar porque tal música me faz – ou fazia – sentir aquilo que sentia; relembrar o que se pensava naquela época, em se gostava de certa pessoa. Havia mais de dez anos que não tocava violão. Já havia dedilhado uma viola na casa de algum amigo, mas tocar por boa parte de um sábado à tarde, cercado das minhas três melhores amigas, um camarada a quem tenho grande apreço, depois de um almoço saborosíssimo, me fez perceber que estou vivo. E mais do que isso: eu preciso estar vivo.
E percebi que tudo isso só foi possível por causa da Cris. Quando nos conhecemos, em circunstâncias curiosas, ainda éramos estagiários em empresas diferentes; quando ainda não nos sabíamos felizes graças a quem nos cercava; quando cismávamos em socorrer quem não nos socorria; quando permiti que ela me puxasse a orelha, quando precisava ouvir o que só ela poderia me dizer, me alertar, me colocar no chão. Eu, que já considerei um erro sua mania de ser mãezona, que já lhe fiz as maiores grosserias; ela sempre esteve lá, ao meu lado ou me colocando debaixo da asa. A tarde que passamos na sua casa. Os amigos que fiz a partir da nossa amizade. Amigos que chegam depois e ficam pra sempre. O violão. A melodia. A dança. O bolo de aniversário que ela levou pra mim; o aniversário da Aline no Dendê; as compras da festa junina; o saquê que eu poderia pagar depois; o réveillon inacreditavelmente inédito; a Ziza; o ombro, o rosto, o sorriso; as lágrimas. O abraço. A amizade. O amor. E, como nos versos na música do Tim Maia, Cris, que leva seu nome: Meu caminho é ida sem volta/ Uma estrela amiga me guia/ Minha asa presa se solta.
Pensei: deve ser possível então ser feliz. E naquela tarde foi assim. É como no filme em que o personagem do George Clooney pergunta ao noivo da irmã: pense em todos os momentos felizes da sua vida. Em qual deles você estava sozinho?
Obrigado, Cris. Você é foda.