Frear o tempo com os olhos
Ouço chover. Não é preciso abrir as cortinas. As vidraças tremem suavemente, o som da água me protege do frio. Um banho de palavras sem luz. O desejo desenfreado para que chova a noite inteira. Ainda que fosse senhor de mim, não saberia esconder as lágrimas. As janelas desatam a tagarelar. Examino a sala e não reconheço alguns quadros, talvez eles também não me saibam. O sopro gelado da cozinha. A almofada esquecida no chão, o espelho torto na parede do banheiro. Foi quando me lembrei que palavras são estrelas sem brilho.
Tatear o ar com as mãos
Ainda que fosse escravo de mim, não saberia esconder as feridas. É que tenho tido dificuldade em escrever. Como se as palavras estivessem escondidas na luz. Não fosse apenas não enxergá-las, mas não há como senti-las. Sinto-me suspenso, como se sob efeito de reticências. Também não adianta me desviar dos estalos da consciência, supostos atalhos para onde não tenho me encontrado. E de nada adianta insistir que palavras são fósforos.
Riscar o céu com os pés
De pernas para o ar me deixaram elas, as estrelas sem luz que são fósforos. Para este incêndio sem alarmes, a rota de fuga é buscar metáforas sem sentido. Talvez sirva como consolo literário, essa coisa de encurralar a inspiração, atormentá-la madrugada a dentro com respingos de insônia, da chuva que não terminará enquanto ainda houver fôlego. A luz que me deixa as palavras cegas, o reflexo de estrelas sem brilho, de fósforos riscados. A escuridão me permite fabricar tantos de mim que escrevo com os pés suspensos e mãos idem. Mas de olhos fechados.
Porque silêncio é uma palavra invisível.
Lindo, Bruno. E triste. Mas a gente aprende assim, né? Ou assim:
ResponderExcluir"Character cannot be developed in ease and quiet. Only through experience of trial and suffering can the soul be strengthened, creativity inspired, and success achieved".
Helen Kelle
Uma crônica precisa sobre as angustias de um escritor com mãos e pés suspensos. Da luz de palavras cegas, fez-se o breu de parágrafos sinceros. Adorei as metáforas "sem sentido". Bjo
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