O peso do mundo sobre mim. A pressão no peito, as costas castigadas pelas farpas. Tudo é pequeno e honesto, as larvas se alimentam da minha carne, os vermes existem por minha causa. Estou fechado em mim. Minhas vestes descompuseram-se, são trapos sujos e podres. O fedor do meu corpo, além de outros cadeados, delimitam o mofo de minha existência. Usurpei a luz, que já não me fazia enxergar. Declinei dos olhos, que já me permitiam não ver. As coisas são finitas. Meus braços cruzados repousados sobre meu ventre vazio, entre o coração que não me existe mais e o estômago inundado de borboletas moribundas. Cravaram-me uma estaca no espírito e o grito desfez-se em grãos de terra.
A conta-gotas, as lembranças surgem da tábua reta distribuída sobre mim. Um palmo acima de meu nariz sem cartilagem. Ainda posso recorrer à memória curta e ouvir o movimento das pás, que me cobriram com restos de chão, que me afagaram os cabelos quando ainda eram fios, que me acariciaram os pés, que já não caminhavam sós. Pois não ando bem. Por aqui, mesmo no leito termal das passagens, mantenho-me aprisionado por estofamentos confortantes. Talvez o repouso acolchoado amortize a culpa de quem me fez adormecer. Despertar-me aqui, no entanto, é selar minha dívida terrena. Alastrou-se em mim o medo em não ter culpa, um temor quase regozijante: vivo.
O céu de raízes tortas. A água barrenta dos choros. Debruçaram-me ainda quando estava morto. Hoje sementes: sentimentos crus. Troncos fétidos, pedras, estrelas. A angústia claustrofóbica em não ser: ter sido. Esmurro as paredes madeiriças, não há força, não há saída, não houve, por isso estou onde estou, enjaulado dentro de mim. Escapei-me.
Às recordações retorno em pensamento. Correntes de ar ficam de fora. Ventanias antes do ritual sem cerimônia. Vestidos esvoaçados, paletós escuros, rostos iguais. À bombordo, quem me traiu. À estibordo, os que decepcionei. Estátuas em cima dos que estão acima de mim, perambulando pelas alamedas. Fiz-me convés e naufraguei.
Terra à vista.
Are we human?
Há 5 meses