“Rio, 24 de agosto de 1999
Bruno,
Eu me lembro bem das nossas tardes de domingo, no Maraca, torcendo pelo Vasco. Eu todo orgulhoso do filho pequeno, esperto e bonito que um dia pisou o gramado e ficou ao lado de ídolos e de anônimos. Eu que batia pelada na geral, lá embaixo, e ficava na ponta dos pés para ver o jogo. Tinha a sua idade. E pensava assim: “um dia vou assistir lá de cima perto de gente famosa”. E aconteceu, não por acaso. Estudei. Valeu! Quantos jogos eu assisti com você lá do alto, como no samba que Paulinho da Viola fez em homenagem à Mangueira: “vista assim do alto mais parece um céu no chão... Sei lá, não sei não...”
Pois é, agora no chão, não sei, não! Nessa idade, das definições, afirmações, do que eu posso tudo, sou o melhor e tal e coisa... e tá, tá, tá. O vocabulário não cabe na boca, são tantas “paradas”, tantas coisas “iradas”, que todo cuidado é pouco. Afinal, felicidade não tem preço. E parada errada custa caro. Tá certo, faz parte da vida. Mas de uma parte da vida que não pode ir para o lixo. Eu também fiz “parada” errada nos tempos de escola. Fui suspenso, matei aula, mas nunca deixei que a peteca caísse. Você não vai deixar, é claro. Confio em você, aliás, ainda confio.
Achava uma sacanagem com o meu pai e com a minha mãe. Eles sempre sonharam, com tantos filhos, que um deles se desse bem na vida. Pelo menos um. Eu me dei, que merda, né? Fazendo a conta no final do mês para ver se o dinheiro vai dar para pagar a ginástica (a sua), um ticket, um “galo” prá você. Mas o pagamento do colégio, é de Lei. Podia estar na pior, naquela vidinha sem sabor, sem aventura, sem tesão. Seu Argemiro nunca tinha dinheiro. Pagava colégio, tinha dez bocas para comer e às vezes aparecia muito mais aos domingos. Dia de pernil assado e salada de maionese. Todo mundo ia na aba. Ele dizia: “um prato de comida a gente não nega”. E não nega mesmo.
Mas a gente precisa aprender a dizer não. Eu não sei dizer. Eu só quero que você, - no banco da escola ou na esquina da vida -, não vacile, não deixe se influenciar, não deixe ninguém “fazer” a sua cabeça. E corra atrás. Hoje tá mais fácil pra você, mano. Tem dinheiro da mesada, tem festa, tem menina bonita pra tirar onda e saber ficar na crista... da onda. Meio caminho andado para ser alguém na... vida. Esse alguém que hoje o seu pai se orgulha de ser.
Eu te amo”
* Essa carta me foi escrita há dez anos, quando tinha acabado de fazer dezessete. E foi reencontrada depois de tempos escondida numa gaveta do meu antigo quarto, na casa de minha mãe. Uma surpresa. Era a fase da vida onde estava muito deslumbrado, aprontando na escola, com suspensões, reuniões de pais, mau desempenho nas notas. Depois de passar por bons colégios, estudava numa escola mediana e, mesmo assim, andava mal das pernas. Não queria saber de nada. Meu pai, da melhor maneira que um pai pode se manifestar nessas horas, me deu um pito por escrito, uma baita bronca, um documento da vida, uma lição: um presente.
E como hoje é seu aniversário, pai, divido esse presente contigo. É pra você, pra minha mãe – e pra mim - que tento ser um homem melhor, de caráter, que tenho certeza que você se orgulha de ver, de onde você estiver.
Obrigado por me segurar quando eu mais precisei, e por não me deixar derrapar na mais importante curva da vida, que são as pistas escorregadias da adolescência e da juventude. Uma estrada tortuosa, eu sei – mas não sabia. Parabéns, pai. E obrigado por estar comigo.
Eu te amo,
Bruno
Are we human?
Há 5 meses
lindo
ResponderExcluiressa carta é da época em que te conheci.
ResponderExcluire que linda! que boas são essas gavetas que a gente às vezes abre!
Muito bonita a carta do seu pai e, agora, a sua resposta. Nada como o sentimento entre nós, filhos, e nossos pais. Acho que é o que temos de mais importante na vida, um elo profundo e que, quando vivido em sua plenitude, é o mais belo e genuíno sentimento que podemos ter. Parabéns ao seu pai.
ResponderExcluirBrunoq,
ResponderExcluirEsta carta é muito comovente e contém toda a sabedoria do Arcanjo, seu pai; do Tim, meu amigo. Para a esquina da vida ou para os bancos escolares, o que vale é a sabedoria, é saber o que se quer e o que se pode querer ser. Muito oportuna a publicação da carta, no dia do aniversário de seu pai, e da resposta, jamais tardia. Parabéns, meu amigo! Lindo texto, em parceria com o inesquecível Tim Lopes, esse pai que sempre vai encher você de orgulho!
Os parabéns hoje não vão pra vc. Vão sim, para o seu pai. Pelo aniversário. Pelas palavras. E por ter criado um menino-doce, às vezes arredio. Que sabe o que faz, por que faz. E que ensinou o garoto a ser homem, com H maiúsculo. Parabéns, Tim. Parabéns pelo Bruno....
ResponderExcluirBoa Brunao ! Toda vez que me proponho a entrar na faca eu me surpreendo. Leio um texto ou dois, e sempre me emociono. Tenho orgulho de ser seu amigo, e poder estar sempre discutindo com voce todo tipo de assunto, e de forma simples, assim como voce faz nos seus textos. Vamos combinar aquele chopinho!
ResponderExcluirabraco do seu amigo da epoca de estradas tortuosas, e para sempre,
Leandro Garca
Sei lá, mas cansei de ter que aturar o Tim (cacique bunda larga) dizendo: "o Bruno só tá fazendo merda". Hoje, tenho que me segurar para não chorar. Bonitão, você tem obrigação de ser correto com a sua vida, só isso.
ResponderExcluirAbraço Tyndaro
Não seria novidade dizer que fiquei emocionada com o texto. Não seria novidade também dizer o por que, pois a dor que sentimos já foi compartilhada uma vez.
ResponderExcluirMas o melhor é que não é novidade dizer que me surpreendo cada vez mais com seu talento, com sua sensibilidade e pela delicadeza com que você consegue descrever sentimentos tão profundos e dolorosos como a saudade.
Ler seu texto, o texto do seu pai, me confortou hoje. Como se todas as palavras do meu pai viessem à tona novamente, num afago, num carinho. Como se a mão dele repousasse novamente nos meus ombros pra me fazer dormir.
Obrigada, Bruno. Parabéns Tim!
Bruno.
ResponderExcluirA emoção que agora pinga no teclado, depois de um dia para lá de insosso no trabalho, tem muitas razões - como se houvesse razão na (para a) emoção... Entre elas, ter conhecido (muito pouco) o teu pai, ter conhecido você (de quem me sinto um irmão, e vc sabe disso) etc. etc. E daí?
Daí que, se eu lesse essa mesma carta há alguns anos, continuaria achando-a do cacete, plena de sentimento, sabedoria e carinho. Acontece que só li hoje, neste 18 de novembro de 2010. E aí, meu amigo, acontece também que ontem, 17, a minha Luísa fez quatro anos. E é por isso que, para além de todo esse sentimento e carinho que saltam logo à primeira vista, o que vejo ali, dito e não dito, nas linhas e nas entrelinhas, é um amor profundo, uma preocupação que nunca mais termina - mais: uma vontade dele (nítida, repara só) de te apertar nos braços e NUNCA MAIS deixar que você saia.
Você pode ter certeza absoluta de que grande parte do que moveu o seu pai a te escrever naquele momento foi também uma necessidade de dizer para si mesmo, de botar no papel as noites que a gente não mais dorme direito, mas também de reafirmar a festa interna e cotidiana que é o amor e a devoção por um filho, enfim... A necessidade, Bruno, de organizar a cabeça e te dizer, no fundo e do fundo: meu filho, eu te amo e por mais que diga isso todo dia você não vai entender do jeito que eu queria que você entedesse; e, olha, eu não vou te abandonar nunca.
Bruno, hoje, sendo pai, digo sem medo de errar: o seu pai nunca abandonou você. E, pode ter 100% de certeza: ele sente muito, mas muito orgulho de você.
Um beijo.
ô...
ResponderExcluirE como tivemos chance de escorregar na vida, ne?
Bem sabemos como foi nossa adolescência, com todo o deslumbramento (de que?), com todas as festas, com toda a curiosidade normal da idade e com tudo aquilo nos chamando para entrar de cabeça, talvez, em um caminho sem volta.
Alguns foram fortes, outros nem tanto...
Mas tem aqueles que nos causam orgulho. E vc foi e é um deles...
Sofreu uma perda enorme bem no meio disso tudo, achei que isso sim, fosse fazer vc escorregar legal.
E para minha surpresa, isso fez de vc um cara mt mais especial, muito mais forte e muito mais admiravel. Sua força, sua maturidade (não sem sofrimento) e da forma como vc soube encarar aquilo tudo, foi de "tirar o chapéu".
Não sei se conseguiria ter a mesma sapiência que vc teve.
O fato é que hj vc esta ai, tão lindo, tão feliz, tão homem, tão dono da sua vida... E como isso me deixa feliz, amigo.
Torço sempre por vc.... SEMPRE.
Parabens a vc e ao seu pai, esteja ele aonde estiver, estará sempre olhando por vc.
Beijos
Lê.
Depois de tantos comentários emocionados, que valem por um post, não sei muito bem o que dizer. Mas achei que deveria deixar algo registrado.
ResponderExcluirTocante, me trouxe algumas lágrimas aos olhos. Porque o amor dos nossos pais é o maior e o melhor do mundo. É o único que nunca acaba, não importa o que aconteça. E que bom que você sabe disso.
Com certeza vocë foi o melhor presente que seu pai pode ganhar!!!! Todo o talento de escrever e emocionar tem de onde vir!!!!
ResponderExcluirNossos pais foram os melhores pai do mundo e nos guiaram para ser o que somos. Malandros fomos nos que enxergamos um pouco mais alem do que um simples esporro. Sabedoria essa que eles nos ajudaram a mostrar, no melhor estilo.
Esteja onde ele estiver, tenha certeza que ele esta muito feliz de te ver assim, o menino que ele ajudou lapidar com as sabias palavras.
Bjs
Carol Tancredi
tou chorando enquanto escrevo aqui. sabia que o tim era um cara muito especial como amigo, como profissional e agora vi que ele era ainda mais incrível como pai. não sei se na época você teve a maturidade pra entender todo o amor que ele te passou em cada uma das frases daquela carta. mas encontrá-la agora deve ter te batido fundo. duas certezas: essas palavras vão fazer de você um pai tão justo e amoroso quanto ele foi. e, sendo o cara tão bacana que você é, tim deve pensar lá de cima: valeu a pena! muitos beijos da capucci
ResponderExcluirMeu querido filho Bruno
ResponderExcluirHoje é dia de Parabéns, para vc e tb
para seu pai. Nós não nos encontramos por acaso, Deus nos uniu
para que de nosso amor pudesse vir à
tona VOCÊ. O grande presente da Vida.
que da fibra do pai e do amor da mãe
gerou um ser tão lindo...Bruno.
Que sua vida seja sempre pontuada pelo amor ao seu mais próximo, que
sua profissão seja recomeçada todos
os dias, com a vontade de acertar,
de encontrar o ponto sensível do
homem, hoje tão descaracterizado,
tão banalizado em seu todo dia.
Você tem mostrado sua cara afiada,
queremos tb ler sua parte mais terna,
a mais simples, a mais você.
Parabéns por toda sua coragem e
superação, tenho orgulho de ser sua
mãe. Te amo muito também. Sandra
fernando hernandez, bruno quintella, andre senna, felipe garcia, bruno toros, joao marcos, joao carlos, leandro garca, joao victor, fernando rocha, leonardo uzai. esses foram nomes que fizeram a minha personalidade, me fundaram. se o verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos, pela primeira vez, um olhar inteligente sobre nós mesmos, estes nomes nesta famigerada época me deram à luz. em seguida, não sei por quais estradas do destino, acabamos nos separando. coisa igual a um arco que lança uma flecha, eu vou agora pelo mundo, mas eu sei de onde parti, parti de cada um desses nomes que são muito mais do que nomes, pois fincaram meus paradigmas. hoje, entre tantas outras coisas, carrego uma dor grande, por nao ter estado com alguns de voces em momentos dificeis da vida, de perdas e decisões. mas soube de uma alegria enorme por hoje ser quem sou, aquele que voces fizeram. amo voces.
ResponderExcluirFiquei emocionado ao ler essa carta, por ser também pai e conhecer de perto essas preocupações. Conheci seu pai um pouco, mas desse pouco que me lembro Tim sempre me passou a imagem de alguém que agia com retidão, justo, honrado, corajoso e um grande colega na rua. Tenho certeza de que onde ele estiver, estará com muito orgulho do homem que vc se tornou. Vc sabe que te considero como um irmão mais novo a quem eu respeito e admiro muito. Fica com Deus e um beijo no coração.
ResponderExcluiré... obviamente merece muito mais do que um "lindo, adorei". Mas pra disfarçar a emoção e não perder a piada: Lindo! Adorei!
ResponderExcluirBruna
Você tem toda razão. Lindo-adorei é ótimo, mas comentários-texto mudam o dia!
ResponderExcluirBruno
ResponderExcluirVocê me fez lembrar do Velho Anezio. Um homem mentalmente oitocentista, duro, austero e um turrão em pessoa. Os carinhos e atenções ficavam no olhar e no despojamento em relação à família (talvez porque o chão da fábrica não permitisse sentimentos explícitos.)
Na vagabundagem juvenil veio a reprovação na escola, no lugar da porrada ele apenas disse, “Não há de ser nada” carregado de intensidade e compreensão - e eu corri para desabar em um canto.
A frase, por acaso, virou música, homônima, de Waldir Azevedo, e toda vez que o medo surge ouço esse choro e me fortaleço no Velho.
Grande Bruno!
Obrigado.
Nossa Bruno, fiquei até sem fôlego lendo essa carta...
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