sábado, 1 de agosto de 2009

Realidades

Sentou-se na borda da cama. Olhou fixo o chão e com seu dedo indicador enrolou sem pressa a ponta de seus cabelos castanhos de ontem. Trancada em seu quarto, esquecida do mundo, ela queria ser alguma coisa que não tinha sido até ali: queria ser Deus.



Uma mulher orgulhosa- observou o espelho. E fitou-o como se fosse o reflexo incandescente de um córrego de luzes. Achou-se tão perfeita, tão exuberante. Levantou-se e, com as mãos não tão delicadas de outros tempos, arrancou pedaços daquele antigo espelho vivo e os mastigou devagar. Sentiu o gosto da vaidade. Arranhou as paredes e beijou o chão: chegara ao Paraíso.



Sentiu-se rouca e tirou a roupa. Tragou de uma só vez a ânsia doce do nervosismo. Sorriu. Aos poucos sua alma foi rasgando o corpo. Iria comer estrelas e abraçar nuvens: iria se afogar em sonhos.



Mas de repente do outro lado da vida soprou um vento arrependido e desesperado, talvez porque arrastasse para outros rumos a alma rebelde daquela menina. Sentou-se no parapeito. Engoliu um choro surdo antes que a brisa dos presságios lhe envolvesse em segredo. Expressões nervosas do passado lhe assustavam aos gritos. Pensamentos desordenados fugiam pelos dedos prateados do espelho morto, mas sua alma já havia partido. A janela aflita não pôde impedir que pulasse.



Sentiu-se Deus por um instante.

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