sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Coincidências

Uma coincidência. Justamente uma coincidência como haveria de vir tantas outras. Seria sempre assim. Breno agradeceu a carona e desceu da moto. Despediu-se do amigo e seguiu em direção ao bar. Precisava acertar com o dono as despesas do mês. Chegou espalhafatoso, cumprimentando todos, a caixa, os garçons, a gerente e todos os clientes que ali estavam. Eram quase três da tarde e não chovia. Juliana terminava o almoço.



Havia conhecido aquela moça fazia pouco tempo e toda vez que se encontravam fora do trabalho ele tirava o ar da barriga, fazia pose, fingia que não percebia sua presença. Depois, quando cruzavam olhares, demonstrava falsa surpresa ao vê-la. Coisa de menino que se julga conquistador. Ela percebia, mas não falava nada. Porém, no escritório, era diferente: conversavam sobre qualquer assunto, nem sempre com relação ao trabalho, e fingiam prestar atenção no que falavam, quando, na verdade, prestavam atenção em todo qualquer outro detalhe que fosse, menos na conversa. Juliana gostava do jeito de Breno falar alto, como se cantasse uma eterna serenata. Achava engraçado porque entendia que era assim que ele encarava o mundo. De peito aberto. Ela gostava de observá-lo. Inventava qualquer pretexto para entrar em sua sala e, quando conseguia, mal podia disfarçar o nervosismo. Procurava alguma coisa que sabia não estar ali ou fingia atender um telefonema que ninguém tinha feito. Por isso as conversas se davam sempre nos corredores ou na sala do café. Na sala dele – reconhecia – sentia-se vulnerável. E gostava disso.




Breno adorava seus cabelos curtos. A pele era cor da manhã de inverno. Tinha a impressão de que ela devia ter nascido assim, pronta, uma mulher com rosto de criança. Quase angelical, não fossem os olhos um pouco puxados e os lábios carnudos. Não era alta, mas sua desenvoltura e delicadeza até para descansar os cotovelos no balcão do bar – suspirava – permitia que de fato pudesse mesmo pertencer ao céu. Breno gostava da forma como Juliana prestava atenção nas coisas, franzia um pouco a testa e mexia a boca com os lábios fechados, como se estivesse reprovando uma coisa ou ponderando sobre outra. Era charmosa. Divertia-se com a voz articulada e postada de Juliana, seu jeito cuidadoso, sua forma de andar, meio desfilando, meio séria, meio as duas coisas. Perfumada sempre – observava. Mas o que achava engraçado mesmo, fora o fato de só conversarem no corredor ou na sala do café, era quando ela entrava em sua sala durante o expediente com qualquer desculpa que fosse, menos para dirigir-se a ele. Breno sabia, mas fingia não perceber.




Não eram de se encontrar fora do trabalho. Quando acontecia, dava nisso: o rapaz não sabia o que fazer e tratava de falar cantando ou cantar falando. E ela observava cada gesto, mexendo a boca para o lado e para o outro, sempre com os lábios fechados. Seria sempre assim. Quando se cruzavam no corredor, falavam de futebol, da loteria, da novela, daquele samba antigo, daquele chefe, daquele prazo, daquela folga, daquilo tudo que fosse, menos deles mesmos, afinal, não precisavam falar sobre nada: se olhavam, se sentiam, se cheiravam, se queriam.



Mas não se sabiam.

2 comentários:

  1. Meu fiel, tá bacana esse troço, hein! Cronicando o pequeno, o sussurro (por assim dizer).
    Uma beleza.
    Beijo.

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  2. Minha amiga Sandy pede para postar seu comentário:

    "Eta rapaz, tu tá descascando a alma
    feminina, Vai em frente.Parabéns
    Sandy"

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