O terreno não era muito grande. Cercas de arame farpado
guardavam afeto. Os ventos do lado de fora brigavam entre si um por um pedaço de céu. E
a luz vermelha acendeu-se do lado de dentro da caixa.
Diante da inevitável queda, teve as pernas feridas ao tocar o chão. Havia, no entanto, certo conforto em ferir-se daquela maneira. O coração pode oferecer surpresas. Mergulhar nesta casa-de-máquinas e suas engrenagens lhe custaria ferimentos em troca de respostas, acreditava.
Fazia tempo que não voltava àquele lugar. Examinou as
paredes cuidadosamente, como requer a minúcia da memória. Janelas abertas para
respirar. As portas de correr estavam imóveis, assim como as pessoas da sala. O
silêncio vagava entre as mesas e a melodia aos ouvidos era a mesma da primeira
vez que estivera ali. Havia mergulhado em seu próprio coração.
A escuridão não foi problema. Lâmpadas queimadas ainda
presas aos lustres; armários despedaçados, cortinas mofadas e vidraças
empoeiradas. Nem mesmo o cheiro das flores era respeitado pelo passado. Mas
havia flores.
Parecia, de certa maneira, que era a primeira vez que pisava
naquele chão sujo. Eram lembranças, eram fantasmas, ele não conseguia discernir
muito bem, mas havia poças de tempo espalhadas por todo o lugar. Que os
pássaros voem para a direção certa, pensava, mesmo que seus cantos sejam
precipitados. Agora que podia respirar novamente, lembrou de Teseu e sua sina.
Talvez o mais difícil não fosse enfrentar o que viria depois do labirinto, que
teve sempre aberta a porta. Sair dele era o mais difícil.
Os morcegos deram lugar aos pintassilgos, uirapurus e
curiós. As corujas ficaram à espreita. Mas a cozinha é a mesma, só que mais clara. Paredes com outra mão de
tinta e o rádio voltou a funcionar. O chão agora tem cheiro de sorrisos e os
ventos trouxeram e fizeram as pazes. E passou-se a ouvir, ao longe, uma saudação.
Lenta e marcada. Tum. Tum. Estampidos graves de um, dois surdos. Tum. Tum. Um movimento binário. Marcação e resposta. Pergunta e resposta, como numa bateria de escola
de samba. E entre uma batida e outra,
nesse pequeno intervalo entre elas, desenha-se o silêncio, o surdo de terceira
como dizem os sambistas, como me ensinou o mestre Simas: o mistério do samba é
o silêncio - e o que você faz do silêncio.
Foi quando voltou à superfície de si
mesmo. Não era sonho. Seu coração voltou a marcar e a responder. Marcar e
responder.
E a sorrir outra vez.
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