quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Tambores


O terreno não era muito grande. Cercas de arame farpado guardavam afeto. Os ventos do lado de fora brigavam entre si um por um pedaço de céu. E a luz vermelha acendeu-se do lado de dentro da caixa.

Diante da inevitável queda, teve as pernas feridas ao tocar o chão. Havia, no entanto, certo conforto em ferir-se daquela maneira. O coração pode oferecer surpresas. Mergulhar nesta casa-de-máquinas e suas engrenagens lhe custaria ferimentos em troca de respostas, acreditava.

Fazia tempo que não voltava àquele lugar. Examinou as paredes cuidadosamente, como requer a minúcia da memória. Janelas abertas para respirar. As portas de correr estavam imóveis, assim como as pessoas da sala. O silêncio vagava entre as mesas e a melodia aos ouvidos era a mesma da primeira vez que estivera ali. Havia mergulhado em seu próprio coração.

A escuridão não foi problema. Lâmpadas queimadas ainda presas aos lustres; armários despedaçados, cortinas mofadas e vidraças empoeiradas. Nem mesmo o cheiro das flores era respeitado pelo passado. Mas havia flores.

Parecia, de certa maneira, que era a primeira vez que pisava naquele chão sujo. Eram lembranças, eram fantasmas, ele não conseguia discernir muito bem, mas havia poças de tempo espalhadas por todo o lugar. Que os pássaros voem para a direção certa, pensava, mesmo que seus cantos sejam precipitados. Agora que podia respirar novamente, lembrou de Teseu e sua sina. Talvez o mais difícil não fosse enfrentar o que viria depois do labirinto, que teve sempre aberta a porta. Sair dele era o mais difícil.

Os morcegos deram lugar aos pintassilgos, uirapurus e curiós. As corujas ficaram à espreita. Mas a cozinha é a mesma, só que mais clara. Paredes com outra mão de tinta e o rádio voltou a funcionar. O chão agora tem cheiro de sorrisos e os ventos trouxeram e fizeram as pazes. E passou-se a ouvir, ao longe, uma saudação. Lenta e marcada. Tum. Tum. Estampidos graves de um, dois surdos. Tum. Tum. Um movimento binário. Marcação e resposta. Pergunta e resposta, como numa bateria de escola de samba.  E entre uma batida e outra, nesse pequeno intervalo entre elas, desenha-se o silêncio, o surdo de terceira como dizem os sambistas, como me ensinou o mestre Simas: o mistério do samba é o silêncio - e o que você faz do silêncio. 

Foi quando voltou à superfície de si mesmo. Não era sonho. Seu coração voltou a marcar e a responder. Marcar e responder.

E a sorrir outra vez.

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