Os ponteiros do relógio comprado tinham a precisão da necessidade da compra. Não tinha valor material algum, mas contaria histórias além do tempo. O vendedor ainda fez graça, ao elogiar minha duvidável destreza com a pulseira cheia de nove horas. Vira pra cá, mexe pra lá, aperta aqui, seu pulso não é tão... pois é, peraí. Alguns segundos depois oferta e procura acertaram-se.
Os apetrechos foram aos poucos encontrando lugar no corpo. Anéis, cordões e pulseiras douradas mal e porcamente por artesãos de ocasião. A julgar pela inconsistência do preço - e do mercado -, parecer-se com o personagem criado às vésperas dos festejos, até que foi bom negócio. Caminhar pelas vielas do centro da cidade, equilibrar-se nas fendas entre os paralelepípedos, inclinar a cabeça para um lado e o corpo para outro, como se o coração também procurasse a mesma fantasia. Pequenas tendas com roupas enormes, biroscas entupidas de gente esfomeada. O Carnaval chegaria. E a fantasia é de quem vê - e não de quem veste.
O silêncio induzido de uma sexta-feira corpulenta, como se lhe tivessem prendido a respiração. Perucas ambulantes, vozes percorrendo em ziguezague os corredores do comércio. Agentes da lei de prontidão, caso houvesse confusão. Ao fundo da cena era possível encontrar, se fechássemos bem os olhos, se encolhêssemos ligeiramente os ombros, se abaixássemos suavemente o pescoço, a melodia da marchinha antiga, aquela que não lembramos de onde sabemos, mas sabemos - por isso lembramos. Um sorriso nos surpreende lento. No meu caso, suspendeu as lentes míopes e astigmáticas que protegiam o rosto amassado de sono. O bocejo interrompido pelos dentes.
E é bom quando isso acontece.
Are we human?
Há 5 meses
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