“Oi
Quintella, tudo bom?
Cara, eu
tava pensando em várias coisas, comecei a escrever... O ano tá acabando, daqui
a pouco tá todo mundo na faculdade tomando seus rumos, seguindo novos caminhos.
Quando a gente é criança, sempre acha que os amigos vão ser amigos pra sempre.
E a verdade é que muitas dessas pessoas vão ficando pra trás, pelo simples fato
de que nada do que acontece na vida é à toa, que não existem meras
coincidências. E acho que isso vale também para as pessoas que passam por
nossas vidas. Acho que cada um que a gente conhece tem alguma lição para nos
ensinar. Lição que às vezes a gente aprende muito tarde. O importante, porém, é
não perdê-la pra não cometer depois os mesmos erros. A gente tá concluindo uma
etapa da vida, e agora que eu páro pra pensar, vejo que esse ano foi irado no
sentido de que eu conheci muita gente, muita gente diferente. E tenho certeza
que quanto mais pessoas você conhece, mais você aprende a conviver com elas, e
mais você aprende a lidar com as diferenças, com os defeitos e as qualidades. É
ótimo saber que podemos nos adequar às pessoas, porque mudá-las eu sei que não
vamos.”
(29.10.2000)
Todos meus
aniversários. Cartões deixados na portaria. Minhas histórias dos outros,
cemitério de pianos, diário da queda, a vendedora de fósforos, o sentido de um
fim, renato russo de A a Z. O seu abraço. A sua pele lisa e clara. O piercing
na sobrancelha... Direita? Seu sorriso medido e descompassado. Os olhos
curiosos e castanhos. Cabelos curtos, óculos. Alguns óculos. Sua insistência em
fabricar sósias.
Um jantar no
Miam Miam, um pedaço de bolo na Argumento, caipivodka no Dom João, festa na
Mineira Maneira. Sua dança. Uma tarde na
piscina, uma peça de teatro na escola. Sua maneira de escrever. Você me ensinou
a gostar do que eu escrevo. Quando me chama de darling, de babe, tomando café
da manhã comigo no Talho. Seu cafuné.
“My darling,
Coloquei um Caetano, apesar da sua
implicância!
Escute o disco e me diga do que
gostou.
Mil beijos,
Julia”
Não lembro
bem quando a gente começou a se falar, mas o olhar reciprocamente curioso ou
curiosamente recíproco nos encurtou a distância. Era seu primeiro dia de aula
naquela escola onde eu havia ingressado meses antes. Também não sei dizer como
ficamos amigos. Lembro que trocávamos poesias durante a aula, especialmente nas
de Física e Química. Tínhamos dezessete, dezoito anos. Ela gostava da maneira que eu escrevia. E ela já escrevia bem
pacas. Então, não foi difícil descobrirmos afinidades literárias. E assim, de repente, nos encontramos.
Teve um dia
que cheguei virado na escola. Tinha passado a noite ao lado de companhias
lisérgicas e anfetamínicas, mas precisava ir à aula. Morto, destruído, moribundo,
a duras penas me dirigi à sala. Ela me viu. Ela me viu e soube na hora. Me
puxou pela mão. Ela me viu, me puxou pela mão e depois me viu, continuou a me
puxar pela mão e me fez sentar na carteira atrás dela. As vozes dos outros
alunos me cortavam os tímpanos, tudo que eu queria era sumir dali, mas
deitei cabeça sobre meu braço esquerdo
dobrado que fiz de travesseiro. Meu outro braço se esticou como que num
movimento sincronizado. E pedi sem falar que ela me fizesse carinho com as
unhas do pulso ao antebraço. Devagarinho. E tinha que ser dela. Tinha que ser
ela.
Também teve
churrasco da turma em Niterói. Não sei se foi Itacoatiara ou outra praia. Sei
que chegamos lá e voilá não tinha
nada programado pra nós. Fomos garfados pela empresa que organizou nossa festa
de formatura – e o “churrasco”. Mas foi um dia legal, fez sol e tudo. Fiquei
doidaço, bebemos, fumamos, tocamos o terror no ônibus na ida. E na volta eu me agarrei à ela. Pedi um
abraço e um cafuné. Voltei agraciado pelos mimos dela, carinho no couro
cabeludo, colo e cheiro de quem a gente gosta. Babei no casaco dela, disso eu
lembro. Fingi que nada aconteceu e só fui acordar – ou acordado – no Rio. Minha
vida foi mudando e ela ia comigo. Almoçávamos no Joe & Leo’s quando fui
estoquista e vendedor em shopping. Um dia ela me levou fotos de Oxford e me
contou sobre a viagem. Depois me disse que foi roubada, parece, e perderam-se
as fotos. Foi mais ou menos na época que passei a encontrar mais com ela.
Depois, nos afastamos. Culpa minha, sempre fui meio relapso nas amizades.
Talvez um pouco egoísta.
“Quintella,
É muito mais irritante do que
maravilhoso ser sua amiga, mas antes de qualquer coisa é uma escolha... E sem
dúvida eu te escolheria de novo (o que não impede de você colaborar um pouco,
ok?!
Beijos e abraços e carinho,
Jú”
Sei que não
sou um grande sujeito, talvez um cara bacana e tal, mas no meio desse furacão
todo que tem sido minha vida percebo que você sempre me acompanhou. Esteve ao
meu lado mesmo longe – nunca distante. Nossas viagens a Penedo – a que fomos as
que não fomos-, o cheiro de novo do seu primeiro carro. Acho que era um Palio
branco. Ou preto? Cores parecidíssimas. Quando você saía da Barra pra me buscar na Gávea e depois voltava pra Barra e aí, sim, finalmente, rumávamos à Joatinga. Depois de buscar a Clarinha, claro. Nossas idas à
Reserva e Prainha. Lanches no Mc´Donald´s. Nossos papos, minhas imitações,
nossas gargalhadas, suas histórias. Quando eu perguntava se estava tudo bem com
você (e você percebia que eu me preocupava com você), porque seu jeito meio
quieto, meio fechado e que não demonstrava muito as coisas. Legião Urbana e Los
Hermanos. Carne de Segunda! Isso tudo fica guardado em mim e sempre me descubro
quando te procuro aqui. É dessa saudade
que eu falo. Eterna.
E quando
tomei aquele porre federal na nossa formatura, antes de desmaiar, perder paletó
e o cacete a quatro? Você pegou o táxi comigo e me deixou em casa. Ficou ao meu
lado.
“Outubro/2000
P.S. Boa sorte em tudo, e mesmo que a
gente não seja amigos até morrer (tá certa essa frase?), eu sempre vou lembrar
de você com muito carinho!
P.S de novo: Eu escrevi essas paradas
de madrugada, com insônia, achei que você fosse gostar, então acrescentei uma
parte (a que eu fiquei puxando seu saco – BRINCADEIRINHA!!!) e resolvi te
entregar.
P.S. Desculpe os erros de português”
Julia, eu te
amo muito. Sumi da sua vida, reapareci. Tornei a sumir e a voltar. De repente
eu precisava me encontrar, me assimilar. Nesses doze anos que nos conhecemos,
talvez tenham sido os mais doidos da minha vida. E você esteve comigo. Num email,
num telefonema, num gtalk, numa carta, num livro, num abraço, num cafuné, num
beijo, numa risada, numa praia, numa lembrança. Obrigado por não desistir de
mim – mesmo quando você desistiu e não me disse nada. Obrigado pela paciência,
pelo seu amor sereno e desmedido. Pelas caronas em dias de chuva. Pelo seu colo.
"My love,
a semana ta acabando e a gente nada de se encontrar.
vou te falar logo a verdade: eu ODEIO esse mês de dezembro, e esse ano
todas as pessoas que moram fora resolveram vir pro Rio, marcaram mil coisas,
não sei mais que dia vou encontrar quem... isso me dá um mau humor que você não
imagina.
você vai estar por aqui entre natal e ano novo? senão a gente
deixa pra janeiro, sem essa confusão de amigo oculto e coisas pentelhas...
beijos com saudades,
Ju"
Parabéns, minha querida. Obrigado pela sua
vida.