segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Ciranda


A minha casa tem poucos quadros. Muitas contas espalhadas pela mesa. Agendas intactas. O apontador de lápis foi comprado em Uruguaiana. A garrafa de Gatorade eu acabei de beber depois do futebol. Assisti a Contos de Nova Iorque com minha mãe, semana passada, na casa dela. Na volta, assisti a outro episódio de House. Também revi Baixio das Bestas. Pensei nuns três títulos para próximos livros (próximos ou distantes) e tive uma leve constatação de que tenho lido pouco. Foi quando lembrei de levar o carro amanhã ao mecânico, fazer outra tatuagem e dar uma corrida pela manhã.

Eu penso em você quando acordo. Corro pra prateleira e abro meu livro favorito na esperança que a página aberta seja a dos seus versos. Eu penso em você quando abro a geladeira e procuro todas as frutas que você gosta. Abacaxi, banana e laranja. Mesmo quando alguma está em falta, sei que você está ali. Porque pensar em você é ter você comigo. Palavra é paladar. 

Ainda de manhã.

A música do despertador é “Liberdade”, do Marcelo Camelo.  Engraçado, mas pensei que seria bom acordar ouvindo versos como eu vivo a vida na ilusão entre o chão e os ares. Talvez quisesse que fosse esse meu mantra matutino, ainda que moribundo de sono. Os tempos são outros, de fato.  Não sei mais se o sapato me cabe o pé.  Escrever é ser livre. Mas a imprensa ainda não entendeu que hoje qualquer furo já nasce ex-furo. A internet assaltou as bancas de jornal e publicar no papel virou envelhecer a notícia.Tenho memória boa para datas. Não lembro de tudo, mas certas coisas ficam na cabeça, no coração. Ficam na lembrança, não importa a gaveta. Esse ano foi complicado, mas de muito aprendizado. Estudar cinema, mudar o leme da vida, escrever e produzir um filme. A necessidade da mudança e a mudança por necessidade. Viver é dançar ciranda em volta do mundo - uma translação em nós mesmos. 


É como diz a Anne Huet:  “quando se escreve um roteiro, é importante estar disposto a se transformar em Cristóvão Colombo, que partiu para descobrir as Índias e encontrou as Américas”.  Acredito que não só na escrita, mas o raciocínio se estende a toda e qualquer manifestação artística. Fazer arte é não saber, mas sabendo. É descobrir-se e ser descoberto e ainda sentir-se inseguro.

Gosto de balões. Gosto da ideia de passear num balão. Soltar balões, não. Mas embarcar nessa decolagem e me desfazer do peso  morto. Atirar pelos ares toda e qualquer coisa que não me sirva nos céus. Às vezes, dependendo de onde você estiver, esse  peso morto é um baú com moedas de ouro; também pode haver mudança de vento. Mas o que importa mesmo é voar com pés no  chão. Nunca fui à Capadócia, mas há tantos balões pelo mundo! E quantos mundos...Daqui de cima sou um pedacinho que continua em movimento, o pedacinho que abre novas linhas, que percorre outros caminhos, meu próprio caminho. O pedacinho voltado para o futuro e à vida, passando pelo caos. Por que somos saudade? O ser humano é uma relíquia afetiva.

O ser humano também é estômago e sexo, como diz o mestre Hilton Lacerda,  ou ainda um caleidoscópio de espelhamentos múltiplos, de acordo com Margarida Colares, me arrisco a dizer que ao me definir, me perco pela definição. Sou mais caótico e me procurar já é um abandono. Eu também sou uma banda de rock. Sou o intervalo entre contestar o sistema e falar de amor. 

O resto é amolar a faca no punho.